-Não… Não… – Alice tentava sair, mas Ed segurava forte no braço dela.
-”Welcome to the jungle”…- Don cantava a musca do Guns n´Roses.
Michael olhava com uma expressão assustada para Ed.
-Cara… Ele não vai…
-Ele vai, meu velho. Ele vai. – Disse Ed, enquanto os dois viam Don amarrando uma corda puída na viga da varanda da cabana.
-Tragam ela aqui.
-Qual é, mermão. Tu não tá pensando em…
Don sacou a arma da cintura e num único tiro fez um buraco bem no meio da testa de Michael. Michael desabou para trás, largando a escopeta, com a cabeça estourada na parte de trás.
-Ahhhhh! – Alice gritou de pavor.
David teve um impulso de levantar e avançar sobre aquele maldito. Mas sabia que isso seria seu fim. O doido atirava bem.
-Ah, meu Deus! Ah, meu Deus, ah meu Deus, ah meu Deeeeeus! Mike! – Berrou Edson, largando o fuzil e correndo para segurar o amigo. Que já estava morto ali no chão.
-Mike! Mike… O homem enorme segurava o amigo. Os pedaços dos miolos ainda quente espalhando-se pela terra batida. – Porra, filho da puta! O Mike… O Mike era meu amigo!
-Então, quer se juntar a ele, paspalho? – Perguntou Don, com a arma apontada na direção dele.
Ed olhou para o corpo do amigo. O buraco na testa. Em seguida olhou para a arma no chão.
-Nem, pense. – Disse Don com a arma apontada para ele. – Eu nunca erro.
-Melhor acreditar nele, Ed. – Disse Shirley. Ela agora tinha uma expressão mais feliz. Mais animada.
Ed levantou-se.
-Traga ela pra cá. – Don disse, fazendo um sinal com a arma.
Alice olhou o fuzil e começou a planejar o que faria. Talvez, num movimento rápido ela conseguisse saltar, agarrar a arma e disparar contra Don. Mas não houve tempo.
Ed foi até o fuzil, no chão. Ele já ia pegar quando Don deu um tiro bem perto da mão de Ed. O homem do sobretudo deu um pulo para trás.
-Porra!
Don virou-se para Shirley que estava sentada na varanda.
-Shi, vai lá e pega a arma dele.
Shirley obedeceu rapidamente a ordem de Don. Levantou-se da varanda e correu até os dois. Ela Pegou o fuzil no chão.
-Nossa, Don! é levinho! – Ela gritou.
-Pega a ar,ma dele. Tá dentro do sobretudo! Na parte de trás. – Gritou Don.
Shirley foi até Ed. Meteu-lhe a mão sobre a calça.
-Nooooossa Don! Esse homem tem um piruzão!
-Bora, Shi. Pega a porra da arma, caceta!
Shirley olhou para Edson e fez uma cara de atriz com tesão em filme de sacanagem. Remexeu-lhe os bagos e foi com a mão por trás do sobretudo, de onde tirou uma pistola prateada. Em seguida susurrou-lhe:
-Gooooosssssstoso! Depois eu vou chupar essa tua benga aí, tá? – E saiu.
Ed olhou para Alice. Ele tinha uma expressão assustada, meio que de decepção, nojo e medo.
-Eu te disse! – Sussurrou Alice.
Shirley correu de volta até onde Don estava.
-Bora rapaz! Traz logo essa vadia pra cá!
Edson obedeceu. Ele não tinha escolha. Agarrou Alice pelo braço e veio puxando ela.
-Não, me larga! Me larga.
Enquanto Shirley apontava a arma para os dois, Don amarrou os braços de Alice na viga.
- Agora, você, senta ali. – Disse Don apontando a escada da varanda. Ed olhou para Shirley, que lhe apontava a metralhadora. Então obedeceu.
Don pegou uma faca pequena, tipo canivete, que estava pendurado na calça. Começou a cortar a jaqueta de Alice. Ela estava dura, muda. Tensa.
Don tirou a jaqueta de couro rasgando-a aos pedaços. Em seguida, cortou a camiseta.
Agora Alice estava apenas de calça jeans e botas. Ela olhava para o mato, esperando que David não desse uma de louco…
-Que tal companheiro? – Disse Don para Ed, segurando no seio de Alice. Nada mal, hein?
Ed baixou a cabeça. Olhou para o corpo do amigo morto, estatelado no chão.
-Vamos foder ela, Don! Vamos? Vamos chupar essas tetas! – Disse Shirley, lambendo os lábios enquanto olhava para Ed.
Ed sentia o mais absoluto nojo de ver aquela mulher fazer aquilo. Era ridículo.
-Corto as calas dela ou não corto? – Perguntou Don para Shirley.
-Corta! Corta! Deixa ela peladinha, amor!
Don pegou a faca. Dobrou a lâmina, e guardou-a com cuidado. Depois colocou o chicote no chão. Ele lentamente abriu o botão da calça de Alice.
Logo depois, ele baixou as calças da moça, que se debatia, tentando evitá-lo e suas investidas.
-Sossega porra. – Disse ele aplicando-lhe um vigoroso tapa na bunda. A bunda de Alice ficou vermelha.
-Não! Não… Me solta, por favor! – Alice gemia.
-E aí? Vai falar onde que está o maluco? – Perguntou Don.
-Está morto! Eu já disse. Me solta seu babaca!
-Hummm. Olha que bundinha es-pe-ta-cu-lar! Disse Don esfregando a bunda de Alice.
-Tira a calcinha! Tira a calcinha dela, Don! – Shirley vibrava.
Don pegou o canivete novamente e cortou as laterais da calcinha. Tirou lentamente, fingindo sensualidade enquanto mordiscava os lábios. Shirley foi ao delírio.
-UHuuu! Gostosa! Gostosa!
Ed quis falar alguma coisa, mas o corpo sem vida de Michael enfiado na poça de sangue e miolos, era um recado eloquente.
Don estava esfregando a mão pelo corpo de Alice. Shirley assistia a tudo, deliciando-se.
-Mete o dedo na xana! Na xanaaaa! – Ela gritava animada, controlando Don.
Alice tinha medo que David aparecesse. Mas ao mesmo tempo, queria sair dali. Escapar. Porém, as cordas que prendiam seus pulsos estavam muito amarradas, prendendo-lhe a circulação. Ela olhou para cima, viu as mãos já dormentes ficando roxas.
-Fala sério. Olha só que filé! Essa sim é uma morenaça, né não Ed? – Perguntou Don.
Ed apenas acenou com a cabeça.
-Ei Don! Don… Don, olha só, Don. -Shirley estava empolgada, dando pulinhos.
-Fala porra.
-Vamos botar ele ali para comer essa aí? – Disse Shirley apontando pra ele.
-Quem eu? eu? – Ed se perguntava assustado.
Don sorriu maliciosamente. -Pode crer! Boa ideia, Shi! Bora. Vem.
-Pô, calmaí… Eu não…
-Vem porra! – Gritou Don, apontando-lhe a arma.
Edson levantou-se. Foi até eles. Edson era enorme. Devia medir um metro e noventa, senão mais.
Ele se aproximou.
-Saca só. Segura só esse peitinho. Veja como ele é macio. – Disse Don. Alice chorava quieta. Ela tinha os olhos fechados. As lágrimas escorriam pelo seu rosto.
Don pegou no braço de Ed e o levou até o corpo de Alice. Ed pegou no peito dela. Apertou de uma forma meio sem jeito.
Que tal? -Gostosa, hein?
-É… Gostoso. Disse Ed.
-Então, vai, mermão. Tira logo essa pica aí pra fora e mete nela.
-Mas… Cara meu pau tá mole. Eu tipo… Eu não vou conseguir. Meu amigo tá morto ali e…
-Porra… Olha pra esse tesão de mulher, cara. Como que tu consegue ficar mole com uma gata dessas?
-Sei lá… Tipo… Não sei.
-Shirley!
-Que don?
-Chupa o pinto do Ed aí até ficar duro. Hoje tu vai meter nela, mermão! – Disse Don, apontando a arma pra ele.
Shirley se animou na hora. Já saltou pra cima de Ed, com a mão na calça dele. Alice estava pendurada na viga. Os braços formigando terrivelmente.
-Vai, porra. Chupa essa pica! – Disse Don para a mulher dele.
Shirley tirou o membro de Ed para fora. Em seguida começou a fazer sexo oral no cara.
-Que tal? Boquinha de veludo, né? Essa aí chupa que é uma beleza, rapaz!- Riu Don, observando a cena.
Shirley piscou pra ele enquanto abocanhava todo o membro de Edson.
Alice viu entre as folhagens que David ameaçou levantar.
-Não, não! – Ela gritava, para ver se talvez David entendesse que era com ele. Ela sabia que David naquele estado seria um alvo perfeito.
Don não entendeu os gritos de Alice.
-Que foi? Tá ficando com ciúmes? Aí Shirley! Ela está com ciúmes…
Shirley largou o pinto do Edson e foi até ela.
-Tá com saudades dos meus lábios de mel, tesão? – Disse Shirley, lambendo e mordiscando os mamilos de Alice. Ela já começava a se empolgar quando Don agarrou Shirley pelo ombro e empurrou na direção de Ed.
-Vai lá chupar aquele pinto, porra!
-Calma, Don. Que cavalo que você é, hein? – Disse ela, voltando até onde Ed estava.
Don se virou para Alice.
Ok, enquanto ela chupa aquele camarada ali, vamos nos acertar.
Alice temeu que Don fosse estuprá-la. Mas ele era ainda mais perverso. Don abaixou-se pegou o chicote feito com as tiras do cinto dele e a perna da cadeira.
Deu-lhe a primeira chibatada.
-Ahhhh! – Alice gritou com a dor.
-Vai falar ou não vai? Cadê a porra do cara?
-Eu já disse… Ele morreu, seu maluco!
“Slap! Slap!”
Don metia-lhe chicotada atrás de chicotada. Alice sofria em silêncio. Quando ele diminuía o ritmo das chicotadas, ela abria os olhos e via o rosto pálido e impávido de David entre os arbustos. Apenas observando.
-Fala, desgraçada!
“Slap! Slap!”
- Ele gritava enquanto desferia as chicotadas. As costas de Alice já marcadas.
-Porra, Don! Vai estragar a mercadoria! – Gritou Shirley.
-Não enche! Cala a boca aí e chupa a piroca dele! Anda que ainda tá mole!
Shirley se calou e continuou sua atividade lúgubre. Enquanto via aquela morena ser chicoteada, Edson começou a se excitar.
Lentamente o pênis de Edson começou a endurecer e crescer na boca de Shirley.
Ao lado deles, Don desferia as chicotadas. Vendo que Alice era “osso duro de roer”, ele resolveu apelar.
Desceu da varanda e foi até o corpo de Michael.
-Não vai falar? É assim? Pois bem. Vamos ver quem é que manda!
Don esfregou o chicote na terra molhada de sangue. Os grãos de areia e pedra formaram uma lama grossa, empelotada que cobriu as tiras de couro.
-Agora nós veremos quem é quem.
Don voltou com o chicote cheio de areia.
“Splapppp”!
Don deu-lhe uma chicotada violenta e a carne das costas de Alice abriu num pequeno talho.
AAAAAAAAAAAH! – Ela gritou de desespero.
Don começou a rir sadicamente. O sangue começou a emanar da ferida aberta.
-Agora está do seu agrado, né sua putinha levada?
-Ela está gostando, Don. Mete mais! – Gritou Shirley, entupida com o pênis de Ed na boca.
David via aquela cena. Ele queria avançar lá, agarrar Don pelo pescoço e esmurrá-lo. Mas eles estavam armados. E a dor… A dor era insana. A dor estava chegando no limite do insuportável.
“Slapppp”!
Cada chicotada ecoava pela floresta. E era precedida de um grito de desespero.
David precisava fazer alguma coisa. Mas tudo rodava. Ele estava tonto. Sentia um bolo na garganta e não conseguia respirar.
-Ele está pronto Don. – Disse Shirley, segurando o pênis de Ed, rijo.
-Então tá. – Disse ele, limpando o suor da testa.
O sol estava a pino. Inclemente. Don limpou o suor da testa e disse: – Mete essa vara nessa vadia aqui! Hoje vamos comer filé… Filé ao molho pardo! Brincou Don, passando o dedo na ferida aberta nas costas de Alice e lambendo o sangue fresco. Alice chorava compulsivamente.
Ed se aproximou da moça. Estava meio sem jeito. Mas posicionou-se atrás dela com as calças arriadas até o joelho.
Alice sentiu o grosso membro roçar-lhe os grandes lábios. Tentou impedir, mas estava fraca demais. Já não sentia os seios. A dormência avançava pelos braços dela e descia entumescendo tudo. Alice estava exausta. As feridas ardendo. Os sons começaram a ficar graves e roucos. Ela pensou que ia desmaiar.
O pênis enorme começou a forçar a entrada de sua vagina, mas não havia lubrificação. Então, como estava todo babado, ele escorregava, resvalando nas coxas da moça.
Aquilo satisfazia Shirley, que vibrava a cada lance, como se estivesse vendo um jogo da copa do mundo.
-Enfia a vara nela, porraaaa! Mete nessa gostosa! – Ordenou Don com o chicote numa mão e a arma na outra.
Ed agarrou a moça pelos cabelos. Agora ele estava visivelmente excitado, vendo a bundinha perfeita de Alice toda lanhada de chicotadas, roçando nos seus pelos.
Edson pensou: “Então que se foda!”
Contraiu o abdomen, recuou a pélvis para trás e desferiu uma estocada com vigor. O Pênis entrou a seco mesmo.
-Ahhhhhhhh! Alice urrou de dor.
O enorme pênis daquele homem queimava suas entranhas como brasa.
David Carlyle estava no meio do mato olhando a cena. Aquilo era demais para ele. Já não podia mais aguentar. O ódio estourou na cabeça dele. Fez com que superasse a dor. Ele levantou-se com tudo ardendo e queimando. Parecia que ia desmontar. Cambaleou lentamente para fora da floresta.
Enquanto isso, Don e Shirley viam a cena de sexo.
Ed estuprava Alice, penetrando-a vigorosamente. Ela gemia a cada penetrada. O sangue das costas da moça escorreu pelos glúteos e molhou o pênis de Ed. E então ele começou a entrar e sair mais fácil. Alice estava sem forças, não tinha mais como lutar. Sentiu aquilo entrando nela. Era uma sensação gostosa. Alice começou a sentir um estranho prazer com aquela dor. Um tesão que surgiu do nada invadiu suas entranhas e ela começou a gemer com o prazer daquela dor de ser possuída por aquele homem enorme.
-Olha só como ela está gostando! – Disse Shirley, apontando para Alice.
Ela revirava os olhos a cada estocada de Edson. Agora Alice não queria que ele parasse. A sensação era ótima. Estar vulnerável, amarrada lhe fazia sentir um tesão inigualável, um misto de prazer e dor. Os cortes das chibatadas ardiam e tudo aquilo a deixava cada vez mais molhada. O penis grosso de Ed entrando e saindo com violência, as pessoas olhando ela ser comida como uma escrava.
-Não para, não para! – Alice gritava delirando de tesão.
Alice soltou um gritinho de prazer. O tesão tomou conta dela. Ela estava gozando como nunca. Tremeu como jamais havia tremido antes. Era sem dúvida o melhor, mais perverso e sujo orgasmo de sua vida. Sentia-se como uma vagabunda devassa. E a sensação era maravilhosa. Edson ainda meteu fundo, cutucando-lhe o colo do útero, provocando uma dorzinha gostosa em suas entranhas.
-Vai, enfia, enfia mais fundo! – Ela gritava enquanto gozava com aquele desconhecido.
Suas pernas fraquejaram e sua vagina contraiu ao redor do pênis grosso de Edson. Edson por sua vez também chegava ao clímax.
Don pegou o chicote e meteu-lhe outra chicotada, enquanto Ed metia o pênis com força, para machucar.
-Ahhhh! – Alice gemia. e pedia: – Mais, mais!
E don desferia chicotadas de leve, agora para satisfazer a luxuria daquela mulher dobrada na chibata.
Don estava exausto. Ed ainda metia o pinto dentro de Alice.
Atrás deles, vendo aquilo tudo estava o corpo sem vida do zumbi, agora corno.
-Que delícia, em Shi? n- Perguntou don, apontando para Alice e Ed.
-Depois eu quero essa vara entrando em mim! – Disse Shirley, acariciando os próprios mamilos com uma mão enquanto se masturbava com a outra desfrutando daquela cena bárbara…
Subitamente ocorreu um estalo. Don foi jogado longe com a explosão. Ele caiu no chão com os olhos arregalados. Antes de tudo apagar, a última coisa que ele viu foi o zumbi. Agora havia um buraco que daria para passar uma bota pelo peito dele.
Ahhhhhhh! – Gritou Shirley assustada. Mas a mulher não teve tempo de fazer nada. Outro estalo se seguiu e ela também voou, batendo na parede da cabana e caindo estatelada no chão, sem a metade da cabeça.
Alice não conseguiu se mover para enxergar o que estava acontecendo. Ela estava quase desmaiando.
Sentiu apenas o pênis grosso de Ed saindo de dentro dela, provocando um vácuo.
-Ahhhh! Não, não! – Ed andava para trás, tentando levantar as calças.
A cerca de dez metros deles estava um zumbi, nu tremendo, segurando a escopeta de Michael, que soltava fumaça pelo cano.
O zumbi apontou a escopeta para Ed e puxou o gatilho, mas a arma engasgou. Estava sem balas. David jogou a arma no chão.
Ed tentou andar para a cabana, mas as calças arriadas atrapalharam, e ele caiu de bunda na varanda.
Alice estava desfalecendo, pendurada no tronco de pinheiro, que servia de viga para a cabana. Ela estava vendo tudo embaçado. Já não entendia mais o que se passava.
David Carlyyle avançou lentamente para cima de Ed. Ed ainda tentou rastejar pela varanda para alcançar a arma que Don tinha deixado cair. Mas foi inútil.
Tudo que ele ouviu foi um rugido gutural. Em seguida David jogou-se sobre ele e desferiu uma mordida violenta em seu rosto, arrancando um pedaço do osso da testa e engolfando o globo ocular, que estourou como um daqueles óleos de massagem, esparramando um gel transparente pelo piso de madeira da varanda.
Na segunda mordida, David arrancou-lhe o nariz. Sentiu o sabor salgado do nariz do cara. E uma profusão de sangue espirrou para todo lado. O homem era forte e tentava se debater com o zumbi sobre ele. Mas assim que o sangue fresco adentrou os lábios de David, uma explosão de prazer incomensurável atingiu seu corpo.
Foi como ser carregado com meio milhão de volts. Seu cérebro acelerou numa velocidade surpreendente e milhares de recordações das quais ele já não tinha mais acesso, surgiram numa fração de segundos. Uma força descomunal tomou conta de seu corpo, e ele proferiu uma nova dentada, dessa vez direto na jugular. A sangueira quente se espalhou, banhando o corpo dele.
E o homem do sobretudo não conseguiu mais lutar. David agora mordia a barriga, revelando as tripas. Cada mordida tinha um prazer especial. Uma sensação doce, macia, úmida. David enfiava as dentadas com desejo e sentia os nacos de carne mole descendo por sua garganta. Nunca havia sentido tamnho prazer em sua vida.
A dor havia desaparecido e com ela o enjôo a dor de cabeça lancinante e a vista turva.
Mordeu os ossos da costela, tentando chegar ao coração. Os ossos que estalaram como biscoitos recheados na boca de David, revelando uma cremosa surpresa em seu interior. Curiosamente, os pulmões não eram tão bons. Tinham uma textura estranha, parecia que David estava comendo espuma. Gostoso mesmo foi comer o outro olho, que estourou na boca dele liberando aquele caldo cremoso. Os lábios eram macios e pareciam filé mignon.
David mastigou a língua do cara, que lembrava chiclete. E voltou-se para o coração.
Quando ele conseguiu arrancar o coração, todo amarrado em grossas veias que mais lembravam raízes, mordeu com desejo e sentiu o sangue esguichar. Estava quente e ainda dava alguns espasmos fracos. O coração era uma delícia sem igual.
Após se locupletar com a carcaça, sentia-se vivo outra vez. Sua cabeça estava acelerada a mil. Agora ele entendia porque os zumbis ficavam daquele jeito, desesperados para comer os vivos. Era um êxtase insano.
David levantou-se e olhou para seu corpo. Estava recoberto de sangue fresco. E sentia-se como se tivesse andado numa montanha russa. Tudo aquilo era um prazer inebriante. Uma vontade de sair correndo gritando de felicidade. David descobriu ali, enquanto ainda mastigava o último pedaço do coração cheio de gordura amarela de Edson, que nunca tinha sido tão feliz na vida quanto era na morte.
David partiu então para o segundo tempo. Foi até o corpo de Shirley, emborcado no canto da parede de madeira da cabana. David agora sabia quais eram as partes mais gostosas. Não perdeu tempo. Ele queria correr para sentir o sangue quente descendo em profusão na sua garganta. Segurou a cabeça esfacelada com uma mão e esticou o ombro da mulher com a outra. O pescoço branco estava estendido na sua frente. Impecável. Perfeito.
Numa só mordida, David Carlyle arrancou um naco gigante da carne do pescoço de Shirley. Era tão grande o pedaço que ele quase engasgou. Continuou a morder e puxar, sugar e lamber aquele buraco sangrento até chegar nos ossos da coluna.
Quando chegou nos ossos, ele levantou a blusa de Shirley, revelando os seios flácidos. Meteu o dente com vontade nos peitos dela, e rasgou a carne com força. Pequenas bolinhas de gordura amarela dançaram ao redor da sua língua, esfregando-se contra o céu da boca. Era delicioso. A carne mole dos peitos dela desfazia-se em pedacinhos, como um sofisticado pudim.
David comeu os dois seios e em seguida lembrou-se de sua parte pedileta. Enfiou o dedo na órbita ocular de Shirley, fazendo uma leve pressão, e soltou a bola do olho dela. David colocou na boca e ficou brincando de jogar o olho de um lado para o outro. Mas não mordeu. Ele repetiu o procedimento no outro olho, tirando-o com o cuidado e a habilidade de um chef, que quebra os ovos sem estourar a gema.
Colocou o olho de Shirley com suavidade na boca e posicionando-os com a língua, mordeu de uma vez só os dois olhos.
Eles estouraram enchendo a boca dele daquele caldo cremoso. David ainda bochechou o caldinho antes de engolir. Tentava manter na memória aquela sensação maravilhosa e o amarguinho que gerava no final quando o último creme gelationoso é liberado do invólucro ocular.
Ele estava saciado, mas não conseguia parar de comer. A sensação era boa demais. Maravilhosa demais. O prazer era inigualável. Ele queria mais.
David queria experimentar coisas novas, emoções diferentes. Tentou comer os dedos. Não era tão interessante. Partes com muitos ossos eram perda de tempo. Braços, canela… Coisa para amadores. Bom eram as partes mais carnudas, e os intestinos. Fígado… O estômago era ruim. Tinha um gosto rançoso.
Tirou as botas de Shirley.
Comer os dedos dos pés dela era legal. A mulher tinha um certo chulé, que só dava para sentir enviando o pé dela praticamente dentro do nariz, mas aquilo dava um tempero meio francês aos dedinhos, como se fossem marinados em queijo gorgonzola. Era gostoso, mas aquilo dava trabalho. Lembravam o trabalho inútil que dá comer patas de caranguejo. Mais trabalho que prazer. Virou a carcaça dela e mordeu-lhe a bunda. Ah, a bunda sim…
Sem duvida, a bunda era a melhor parte. Grande, farta, macia em alguns pontos e forme em outras. A bunda era perfeita, porque tinha muita carne. Mas depois de umas oito mordidas generosas, a bunda perdia a graça. Era uma carne toda do mesmo sabor. Não tinha o prazer requintado de estourar o olho contra o céu da boca ou o cheiro delicioso de queijo entre o dedão e o metatarso do dedo médio.
David gostou especialmente dos seios com sua textura de manjar.
Ele lembrou-se que ainda não havia experimentado os miolos. E aproveitando que havia acertado Shirley bem no canto da testa, estourando um pedaço da tampa craniana dela, que fez uma obra de arte fantástica na parede da Cabana, resolveu ver como era.
Puxou o corpo pesado e sem vida da mulher para seu colo, e metendo a mão na cabeça dela, pegou a substância pegajosa e levemente cremosa com a mão. Levou até a boca e sentiu como era gostoso. Quase tão com quanto o caldinho do olho.
O cérebro era especialmente interessante, porque ele derretia na boca, como chocolate. Lentamente ia se liquefazendo. A sensação era ótima. David comia os miolos de Shirley, se empanturrando enquanto lembrava que aqueles miolos haviam pensado em trepar com ele no dia anterior. Tudo que ela queria é ser comida e agora estava ali, descendo pelo esôfago do zumbi.
David lembrou como o cérebro parece um coco. Com a diferença que o coco é meio duro e o cérebro é mais molhadinho e quente. O coco, fruto do coqueiro quando ainda é jovem, forma uma película transparente muito saborosa no interior da casca. E o cérebro de Shirley tinha uma película exatamente assim que era uma delícia.
Quando o cérebro de Shirley acabou, David largou o corpo para lá e foi até o corpo de Michael, que estava estirado na trilha.
Ele sentou do lado de Michael. Levantou a cabeça e viu que havia um buraco na parte de trás que lhe permitia enfiar os dedos e puxar nacos dos miolos para fora.
Ele ficou ali, enfiado os dedos e puxando o cérebro, mas o gosto do cérebro de Shirley era bem melhor. Pra comer estava quentinho, e o De Mike estava com gosto de pólvora.
Alice começou a recobrar os sentidos, a gemer e se contorcer de dor ainda pendurada na corda.
David precisou parar sua degustação. Voltou-se para o corpo de Alice, ainda pendurado na viga. Ele pegou o canivete na cintura de Don. O homem estava com um grande buraco no peito que dava pra ver o chão do outro lado. David deu uma cheirada naquele buraco e não resistiu a provar um pedacinho daquela carne fumegante, tostadinha. Era uma delícia. Lembrava churrasco.
David conteve seu impulso de mergulhar ali naquele emaranhado de tripas. Voltou até onde Alice estava e soltou a moça da coluna de madeira. Ela estava desfalecida. Um filete de sangue pingava de sua vagina. Alice estava ferida e tinha cortes paralelos nas costas causados pelo chicote, de onde escorria um sangue vivo.
David deitou a moça na varanda com todo cuidado. Notou que já não tremia mais e estava bem mais forte e lúcido.
Ele passou o dedo naquele sangue das costas dela e provou. Era delicioso. David lembrou-se dos gritinhos de prazer que Alice deu ao ser penetrada naquela viga. Sentiu-se excitado. Era ao mesmo tempo algo doloroso e gostoso de lembrar. Uma vontade estranha, de comer a carne daquela mulher se apossou dele e sua boca encheu de água…
David ficou alguns segundos olhando o corpo de Alice estirado na varanda da cabana. Era uma mulher bonita, sem duvida. Ele se espantou com o estranho desejo, quase incontrolável, de meter os dentes naquela carne.
Não, ele não podia fazer isso. Ele gostava dela.
David sentou-se ao lado dela. Todo sujo de sangue. Os corpos no sol já começavam a atrair as moscas.
David Carlyle sentia-se mal. Não era certo comer gente. Havia violado um dos mais antigos tabus da humanidade, que diz que “Gente não deve comer gente”.
“…Mas espere, eu não sou gente. Agora eu sou zumbi!” – Pensou. David olhava seu corpo todo sujo de sangue e respingado de pedacinhos de miolos.
“…Meu Deus! Olha só pra mim. Veja no que eu me transformei… Sou uma aberração. Que vergonha, David!”
David não conseguia entender o que o levou a fazer aquilo, perder o controle daquela maneira. Talvez o ódio, talvez a raiva, talvez o medo, o ciúme, ou tudo isso junto.
“A quem estou tentando enganar? Não sou melhor do que aqueles montes de carnes podres e ossos que perambulam nas cidades”. -Constatou em tenebroso silêncio.
David tinha vontade de chorar, mas não conseguia. Algo dentro dele gradualmente sufocava as emoções. Ele temeu que com o passar do tempo, fosse lentamente perdendo sua humanidade.
David Carlyle pensou que talvez seu organismo não estivesse num estagio final da transformação. As coisas eram estranhas com ele. Talvez fossem as vacinas naquele laboratório, talvez fosse a gigantesca overdose que tomou na obra… Ou não. Talvez a razão daquilo fosse apenas uma mutação.
“As pessoas nascem com mutações em todo o planeta. Existem pessoas com braços a mais, a menos, cabeças gigantes, alterações de crescimento, pessoas com doenças misteriosas e raras. Por que não pode haver alguém com uma resistência parcial ao virus Tegen?” – Refletiu olhando para os corpos despedaçados e mutilados.
David parou para pensar em tudo que vivera até ali e reconheceu que cometeu uma burrada. Talvez o melhor tivesse sido ficar no ponto zero e aceitar que o china fizesse as experiências com ele. Talvez isso o deixasse numa situação menos miserável da que estava vivendo agora, rodeado de carcaças profanadas repletas de moscas varejeiras. E com a mulher que amava ao seu lado, estuprada, ferida, desmaiada…
Talvez tivesse sido melhor se ele morresse na overdose como todo doidão ou astro de rock hard core que ele nunca conseguiu ser.Vivendo intensamente e morrendo jovem…
-Ung… Ai, meus braços. Ai… – Alice gemeu. Ela parecia acordar de um horrível pesadelo. Estava tonta e não lembrava de onde estava. Ela não abriu os olhos, apenas gemeu baixinho: – O que aconteceu. Ung, minhas costas!
David ficou ali, parado, ao lado dela. Sentia alguma coisa dentro dele. Uma sensação estranha, como algo que rapidamente crescia e se espalhava. David ficou ali, sem dizer nada. Mesmo porque, a contaminação havia tido um bizarro efeito em seu organismo e agora ele não conseguia mais falar. Porém, pensava normalmente. Ainda mais agora, depois de comer a carne daqueles desgraçados, seus pensamentos estavam cristalinos e rápidos.
“Isso é melhor que tomar energético”. – Pensou.
Enquanto Alice lentamente olhava as coisas ao redor, com uma expressão de estranhamento. David confrontava seus fantasmas internos.
“Maldição…Eu sou um estúpido. Mesmo. Olha só pra mim, cheio de peso na consciência… Por acaso comer a carne alheia é pior do que injetar heroína do próprio corpo como eu fazia? No fim das contas não é tudo uma profanação? Por que profanar o corpo de outro seria pior que profanar o meu? Aliás, eu só comi os filhos da puta que mereceram.”
-Onde eu estou? O que aconteceu? – Alice olhava aterrorizada para os corpos esfacelados pelo chão, ao redor da entrada da cabana. Ela se virou para David, que continuava impassível olhando para ela, como um boneco.
-O que… O que você fez? Por que eu estou assim? – Disse ela, olhando para baixo ao ver que estava nua.
Então David entendeu. Ela havia bloqueado. O estresse das últimas horas havia sido tão forte, tão traumático, que Alice apenas desligou as memórias, como acontece com pessoas que sofrem terríveis acidentes.
David não disse nada. Não podia dizer nada. Ele sabia que cedo ou tarde era iria se lembrar. Ele não esboçava reação. Apenas olhava para ela, com a expressão vazia de sempre. Não havia mais a dor, e isso o deixou feliz.
-Você… Você comeu essas pessoas, David? Foi você?
David assentiu com a cabeça, sem tirar os olhos dela.
-Oh, meu Deus, David…
Alice sentou do lado dele. Ela também estava quieta agora.
David colocou o braço ao redor da cintura dela.
-Ai! – Ela gemeu quando ele encostou no corte da chicotada.
Os dois ficaram ali, olhado para o mato. Sem dizer nada. O silêncio dizia tudo. Alice parecia ter perdido completamente o medo dele.
Foi ela que rompeu o silêncio.
-Precisamos nos vestir, sair daqui. Podem haver outros…
David acenou positivamente com a cabeça. Ele se levantou. E saiu puxando a moça para a floresta.
-Mas e as roupas? – Ela perguntou enquanto era puxada pelo zumbi.
David parou, olhou para as roupas, olhou para ela. E fez sinal positivo com a cabeça. Alice correu até a cabana e pegou suas roupas no chão. David veio andando atrás dela.
Alice pegou o macacão branco e estendeu a David. Ele olhou o macacão e recusou, movendo a cabeça de lado a lado.
-O que foi? – Ela perguntou.
David apenas olhou para os frangalhos sanguinolentos que se espalhavam na varanda. Apontou para o corpo de Ed.
Alice olhou para o zumbi. – Você que sabe!
David foi até o corpo e começou a despi-lo. Tirou o sobretudo, tirou a camisa preta, empapada de sangue. Sacudiu para cair os pedaços de miolos e restos de pele. Em seguida, Alice o ajudou a retirar as botas do cadáver.
Após alguns instantes, eles adentravam a mata, ainda nus, carregando as roupas nas mãos.
Foram até o rio, onde Alice lavou o sobretudo, as calças e a camisa de Ed.
David saltou no remanso, mergulhando na água gelada. O dia estava quente, e a água que na parte da manhã era congelante, agora oferecia uma sensação refrescante.
Alice saltou atrás. Quando ela mergulhou sentiu as feridas ardendo muito.
-Nossa, minhas costas estão muito machucadas. Será que vou conseguir vestir a blusa?
David ficou quieto na água. Apenas olhava pra ela. Era linda, parecia uma ninfa dentro da água. Mesmo ferida, aquela mulher era tudo que ele sempre desejou para estar ao seu lado.
Alice olhou para David. Sem o sangue seco a lhe cobrir ele não parceia tão assustador.
Alice se aproximou dele. Os olhos dela fitando o fundo dos olhos sem vida do zumbi.
-Eu sei que você ainda está aí dentro. – Ela disse.
David pegou na mão dela. Alice beijou o morto. Sentiu o gosto metálico do sangue na boca dele.
-Vem, vamos, ainda tem sangue aqui. – Ela disse, meio sem graça, esfregando o pescoço dele para remover o sangue coagulado.
Após o banho no Rio, eles vestiram as roupas molhadas. Alice desfiava um monólogo sobre precisarem fugir daquele lugar. E como o odor do sangue poderia atrair as feras para a cabana.
Eles retornavam para a cabana, onde estavam as armas, quando Alice ouviu um som conhecido.
-Está ouvindo isso, David?
-David Carlyle assentiu com a cabeça.
-Ah, não… – Ela disse forçando os olhos por entre os troncos das árvores. – Acho que é um urso!
-David pensou: “Puta merda, só me faltava essa!”
Ele apontou na direção da cabana, e os dois começaram a correr entre as árvores.
-Vem, David. Temos que alcançar a arma!
O som do rugido da fera era cada vez mais alto.
-Está vindo atrás de nós!
Os dois não olharam para trás, mas podiam ouvir o som dos pesados músculos e pelo grosso do urso pardo quebrando galhos, esmagando folhas e explodindo arbustos rasteiros na esperança de abocanhar um deles.
Os dois chegaram na cabana, onde as moscas voavam para todo lado.
-Corre David!
David corria o mais que podia. Alice saltou sobre a metralhadora, caída no chão.
-Saaaaaaai! – Ela berrou, virando-se na direção de David.
O zumbi saltou no chão, rolando pela grama com as mãos sobre o rosto, na tentativa de se proteger.
A metralhadora disparou uma rajada direto na cabeça da enorme fera. Os primeiros tiros não pararam o urso, que continuou avançando na direção de David, mas Alice não pestanejou e continuou a disparar contra o animal.
O urso pardo finalmente caiu, tombando pesadamente contra o chão.
David se levantou e olhou para a fera, a pouco mais de três metros de onde ele estava. Em seguida olhou para Alice, que estava segurando a metralhadora, ainda atirando no corpo do animal, já sem vida.
-Morreeeeeeeeeeee! – Ela gritava, enquanto a arma cuspia projetis contra o corpo do animal.
Alice só parou de atirar quando as balas da metralhadora acabaram.
David foi até ela, e pousando a mão no ombro da moça, lentamente baixou a arma da mão dela.
Alice olhou para David.
David tinha o olhar perdido e triste. Fez que “não” com a cabeça.
-Desculpa desperdiçar as balas, David… Não… Não sei o que foi que me deu.
David fez sinal para que ela o seguisse. O zumbi saiu andando. Apontou os revólveres no chão.
Alice apanhou um e David o outro.
-Vem, vamos sair desse lugar desgraçado. – Ela disse.
David gemeu alguma coisa ininteligível, e os dois desceram pela trilha, largando a chacina para trás.
Minutos depois, chegavam nos carros. Alice saltou para dentro do veículo. David sentou-se no banco do carona e eles saíram com o SUV pela trilha da floresta, até chegar na rodovia.
Alice dirigia em silêncio. Concentrada na estrada.
David olhava para a frente, como se fosse um boneco. Pensava nas alternativas. David não tinha muitas chances de sobreviver. Ele sabia. Bastaria que eles encontrassem um grupo de sobreviventes para que o zumbi fosse apedrejado, socado, marretado, machadado, queimado e esmagado em pedaços até que não restasse mais nada.
Ele se pegou pensando na ironia do destino de ter se transformado em zumbi. Agora dependia da mulher que jurou proteger, e sabia que o que significava sobreviver para ela era o mesmo que a sentença de morte para ele.
-Não demora muito vai escurecer. – Alice disse olhando para o céu. O Sol estava baixando e ela podia ver pelo retrovisor.
David não disse nada.
O carro voltou a ficar silencioso. Alice dirigia em silêncio e David achou que tinha visto a moça chorar baixinho em alguns momentos. Mas ela disfarçou bem, esfregando os olhos e colocando uns óculos escuros que estavam enfiados no pára-sol do carro.
Após cerca de duas horas de viagem, eles avistaram um carro de polícia estacionado num acostamento da estrada. Alice passou devagar, para se certificar que não havia ninguém. David estava abaixado no banco.
-O carro parece estar vazio. Mas pode ter uma arma ali. – Ela disse.
Alice estacionou o carro perto da viatura da polícia e desceu com a arma em punho. Olhou os arredores e só viu a estrada e umas árvores distantes.
-Porra, para onde diabos deve ter ido este policial?
Alice olhou o carro mais de perto. Estava destrancado. Ela abiu a porta e olhou lá pra dentro na esperança de achar alguma arma.
A chave ainda estava na ignição.
O pára-sol do carro da policia estava aberto, e havia alguns documentos do veículo, um cartão de estacionamento, presos com elástico.
O radio estava mudo. Só um pouco de estática e nada mais.
Alice ligou o carro e viu que ele estava sem combustível. Não havia nenhuma arma no carro.
Ela retornou ao SUV. No banco do carona, David estava olhando pra ela.
-Nada… – Ela disse. – Nem uma arma.
Alice ligou o carro e partiram. David ficou olhando o retrovisor, viu o carro da policia ficando cada vez menor, até sumir numa curva.
Minutos depois, eles passaram por uma casa de fazenda. A casa estava ao longe. Era branca, não muito grande, ficava no alto de uma colina, ao lado de uma arvore exuberante. David pôs a mão na perna de Alice e apontou para o lugar. Alice reduziu a velocidade do carro e parou no meio da estrada.
-Lá? – Alice comentou preocupada.
David acenou positivamente com a cabeça.
Alice desceu do carro e olhou sobre o capô. A casa parecia deserta, mas eles estavam muito longe. Ela estava hesitante. Ela tinha medo de haver mortos por lá. Provavelmente os caras que comeram os policiais estariam por aquelas bandas.
-Não, sei… Acho melhor pensarmos noutra coisa, David.
David soltou um grunhido baixo e apontou para o céu.
-Tá. Você tem razão. O sol está se pondo. Vai ficar escuro, e a estrada não é um bom lugar para nós.
O zumbi concordou, fazendo um sinal com o polegar para cima. Alice começou a rir daquilo.
O sol começava a se por quando eles rumaram pra lá. O carro saltava por uma estrada de terra batida, ressecada e esburacada. O caminho que conduzia a propriedade atravessava uma planície de pasto. Mas não havia nenhum animal nos cercados da fazenda.
A casa era muito bonita e tinha um jardim exuberante com flores azuis que balançavam ao sabor vento. No pasto, nos fundos da casa, havia os restos de um trator, enferrujado, o qual trepadeiras escalavam.
Estava tudo silencioso e só se ouvia os últimos pios dos passarinhos, além do vento. Alice parou o carro junto a entrada da frente. Ela disse a David para esperar o carro. O zumbi concordou.
Alice desceu com o revolver em punho.
-Olá? Tem alguém em casa? Olá? – Ela gritou, esperando alguma reação.
Mas não houve sinal de vida. Alice então se aproximou.
Ali na frente da casa, ela encontrou um pequeno galão vermelho, vazio. Ele ainda tinha cheiro de gasolina.
A casa estava fechada. Alice subiu até a varanda e olhou pela janela. Não se via muito lá dentro.
Forçou a maçaneta. Estava trancada.
Ela deu a volta pela varanda, tentando olhar pelas janelas, todas fechadas. Alice olhou pela janela e achou ter visto alguma coisa lá dentro.Mas os vidros estavam embaçados e ela não conseguiu enxergar.
Subitamente, uma coisa segurou seu ombro.
Alice deu um grito de pavor.
Era David.
-Porra! Eu te falei pra esperar no carro, David. Quer me matar? David olhou para Alice com seu olhar vazio.
-Acho que vi alguma coisa lá dentro. -Disse a moça.
David começou a olhar pelo vidro. Mas era impossível, pois os vidros estavam embaçados demais.
-Unnnng. – David gemeu, apontando algo na janela.
Alice olhou e viu moscas andando pelo vidro.
-Mortos.
David assentiu.
-Deve ter mortos aí dentro. – Ela disse, olhando para o céu.
Já estava escurecendo. E o vento começava a esfriar.
-Está tarde demais para tentarmos outra coisa… Vamos ter que passar a noite aqui. – Alice disse.
-Chega pra lá. – Ela apontou para o canto com a arma. David saiu de perto da porta.
Alice mirou na fechadura e disparou. A fechadura estourou.
Ela meteu o pé na porta e os dois adentraram a cozinha.
A casa era uma estufa quente e fedorenta. O cheiro de amoníaco era insuportável. Alice começou a tossir. Uma nuvem de moscas voava pela cozinha em direção a porta.
-Ah, meu Deus! Que diabo de lugar é este? Um necrotério?
A casa estava imersa na escuridão. Os últimos raios alaranjados não serviam para iluminar o interior da casa.
David empunhou o revólver prateado. Ele puxou Alice pelo braço. Fez sinal, para que ela esperasse na varanda.
Alice saiu da casa, buscando ar puro.
David adentrou na escuridão. Ele sabia que com as moscas e o cheiro, o mais provável é que houvesse um zumbi por lá. E como ele já era um zumbi, seria menos arriscado para ele.
David chegou na sala. Na pouquíssima luz que entrava pela janela da varanda, conseguiu ler uma inscrição com sangue na parede.
“Deus nos perdoe.”
Abaixo da inscrição com sangue seco, havia um cadáver de homem, sentado numa poltrona, de frente para uma antiquada televisão. Ele estava sem metade da tampa craniana. Pelo estado de conservação, já estava lá fazia muitos dias. Milhares de larvas se espalhavam pelo rosto do morto. As moscas voavam por todos os lados. O morto que segurava a antiga carabina vestia um macacão de brim surrado.
No chão, jazia outro corpo. Este de uma mulher, com vestido de festa. Era cafona, mas David conseguiu reconhecer que era o melhor vestido dela.
“Coitada. Esta se preparou para a morte.” – Ele pensou. Certamente o marido havia decidido a dar fim na vida deles quando as coisas ficaram fora de controle.
David abriu a janela da sala e o ar puro entrou no ambiente.
Em seguida o zumbi foi até a porta e abriu o trinco interno. Uma corrente de vento adentrou a casa e as moscas começaram a sair. Uma luz amarelada surgiu no fim do corredor. Vinha da cozinha.
David foi até lá e viu que Alice estava acendendo uma lamparina de querosene.
Alice entrou na sala e ficou horrorizada com aquela cena. Mas não demonstrou surpresa ao ver a inscrição com sangue seco na parede.
-Então esses eram os donos da fazenda? – Ela disse, chutando o defunto da mulher. Os corpos dos dois, mas principalmente o da mulher ruiva estava soltando líquidos. Havia um caldo malcheiroso que impregnava tudo, que minava do cadáver dela.
-Vamos olhar lá em cima. – Alice apontou com a arma.
David foi na frente. Subiram as escadas de madeira com cuidado. A casa tinha dois andares, e pela quantidade de janelas, Alice mensurou que teria quatro quartos. Isso significava que talvez fosse uma casa para mais de duas pessoas.
Após passarem pela entrada do quarto do casal, chegaram a um corredor onde havia uma porta no final, e quatro outras portas ao longo do mesmo. Todas fechadas.
David fez sinal para Alice esperar. Ele entrou, com a arma na mão. Chegou na primeira porta da direita e abriu de uma só vez.
Ali estava uma bagunça. Parecia um depósito de entulhos.
David fechou aquela porta e foi até a outra. Abriu de supetão. Havia duas camas de solteiro, cuidadosamente arrumadas.
David abriu então a outra porta, e encontrou um quarto de menino, com aviõezinhos pendurados do teto. Tinha uma bela mancha de sangue numa das paredes, com um buraco enorme no meio. Uma escrivaninha com livros e muitos gibis empilhados ao redor da cama. A cama estava bagunçada e cordas pendiam da cabeceira. O quarto de uma maneira geral estava bastante bagunçado e brinquedos se espalhavam pelos cantos. David viu que só restavam agora duas portas. Uma no final do corredor, e outra à sua frente.
-Abre a do final! – Palpitou Alice, lá perto da escada.
David olhou para ela. E então abriu a que estava perto dele. Era uma espécie de escritório. Com uma estante cheia de livros grossos.
David foi então até a última porta. Algo lhe dizia para não abrir.
Ele meteu a mão a porta e girou a maçaneta. Mas a porta estava trancada.
David se virou para Alice, e moveu a cabeça em sinal negativo.
-Que foi? – Ela sussurrou da escada.
Subitamente a porta começou a ser esmurrada e urros e gemidos guturais vieram lá de dentro.
Alice veio na direção dele, com a arma na mão e a lamparina em punho. Estava trêmula.
Olhou cada um dos quartos.
-David ouvia impassível o som das criaturas socando e arranhando a porta.
-São as crianças, né?- Sussurrou Alice.
David moveu a cabeça em sinal positivo.
-Eles não tiveram coragem de matar as crianças… Acho que eu também não teria.- Ela disse, olhando para a pistola.
-Vem, vamos deixá-los aí. Não vamos poder dormir aqui em cima. Eles vão os ouvir, farejar e ficarão batendo e rosnando aí até arrombarem esta merda. Acho que vamos ter que dormir lá pra baixo. Talvez possamos carregar os corpos para o celeiro.
Minutos depois, David estava atravessando o pasto, com o corpo pútrido e enrijecido do fazendeiro nas costas. Passou pela baia dos cavalos. Dois estavam mortos, os cadáveres pareciam desidratados e magros nos currais. Mas uma das baias estava aberta.
“Pelo menos um deles fugiu.” – Pensou David.
Ele jogou o corpo com a cabeça explodida no celeiro e voltou para pegar a mulher.
Alice estava limpando a sala, passando um pano no chão melado enquanto reclamava:
-Que fedor nojento. Não sei como vou conseguir dormir nesta porra dessa casa…
David pegou a mulher e levou para o celeiro. Jogou a dona ruiva sobre o corpo do marido.
David retornou até a casa. Sem os corpos ela já fedia bem menos. O forte vento que adentrava a sala tirava o gás da decomposição, trazendo consigo um sopro de vida. Praticamente não havia mais moscas.
David estancou perto da entrada da cozinha.
-Veja, David! Achei comida. Eles tinham muitos enlatados! – Alice estava animada, remexendo o armário da cozinha em busca de coisas para comer.
-Refrigerante quente! Atum… Sardinha… Sopa concentrada, biscoitos, salsichas, molho de salada…
David ficou olhando Alice. Aquela era a primeira vez que ela se sentia feliz desde a primeira noite na cabana.
Enquanto ela preparava sopa de champignon com salada de atum, David sentou-se numa cadeira junto à porta.
Alice estava concentrada, cozinhando. David apenas ficou ali, olhando para ela. Observando seu trabalho. Ele não sentia frio, ou medo, ou vontade de tomar sopa. Não sentia a dor. Mas ele sabia que uma única sensação o incomodava. Era um estranho e incômodo desejo, que David reprimia com toda força: O desejo de saltar sobre Alice e morder-lhe o pescoço. Sentir a cascata de sangue quente descer pela sua garganta. Morder com vontade aquele pescoço tenro e branco, e desfrutar o prazer de morder os olhos dela com a volúpia de um mendigo faminto que mastiga almôndegas.
David olhou a moça. Os seios empinados surgindo sob a camiseta de algodão. Ele imaginou-se abocanhando aquele seios e mordendo, rasgando a carne, e repuxando as múltiplas camadas de gordura, que mastigaria com prazer letárgico, como uma recepcionista de motel mastiga um chiclete sem sabor. Em seguida, morderia os glúteos avantajados dela mordendo, rasgando e chupando o sangue que por ventura minasse da ferida. Ele deliciaria-se com cada pedacinho de nervo e músculo daquele traseiro…
-Que foi David? O que você está me olhando assim hein?
-David se tocou que Alice estava olhando pra ele com uma expressão estranha.
-Assanhado! Era só o que me faltava! Um zumbi safado querendo me comer. – Ela disse.
David teve vontade de rir, mas não conseguiu.
Começou a pensar na situação inusitada de um vivo conviver com um zumbi. Alice era uma mulher corajosa.
Alice colocou os pratos na mesa. Serviu a sopa para David.
Ele teve alguma dificuldade em comer. Percebeu que suas mãos estavam voltando a tremer.
A sopa agora tinha um gosto horrível. David não conseguiu comer.
-Que foi? Não está com fome, David?
David Carlyle olhou pra ela. Moveu a cabeça negativamente.
Alice entendeu. Ela tinha uma expressão triste. E não disse nada. David sabia no que Alice estava pensando.
“Ela está pensando que eu não sou humano. Que eu sou perigoso, e o quão burra ela é de ficar com uma criatura como eu aqui neste lugar ermo e esquecido por Deus.”
David levantou os olhos e viu a escritura com sangue na parede da sala.
“Que Deus tenha piedade dela.” – Pensou.
Alice terminou de jantar e retirou os pratos. Jogou-os na pia. Tomou um copão de refrigerante quente.
David se levantou da cadeira e foi até a porta da sala. Olhou para a escuridão do pasto. Vaga-lumes surgiam magicamente pelo distante pasto, acendendo e apagando como pequenos fantasminhas. A noite já ia alta e apenas o brilho da lua iluminava os arredores.
-Vamos dormir, David? – Ela perguntou.
David moveu a cabeça positivamente. Continuou na porta olhando para o pasto.
Alice foi até o segundo andar. As crianças mortas tornaram a bater e arranhar a porta do banheiro em meio a grunhidos e berros histéricos. O eco surdo de suas pancadas ecoava pela casa de madeira. Novamente os pequenos zumbis despertavam ferozes em busca de aplacar sua dor.
David parou para pensar naquelas pobres criaturas. Como elas foram parar ali? Ele ficou conjecturando a história daquela família. Certamente que uma das crianças foi mordia, e o pai sabendo no que daria, tentou impedir, prendendo o filho à cama. Provavelmente, a criança conseguiu se soltar e acabou mordendo os irmãos. Desesperado, o pai matou o menino a tiros, mas aí já era tarde.
Os outros estavam mordidos. Desesperado, o pai levou as crianças até o banheiro e tentou afogá-los na banheira. Não conseguiu. As meninas pequenas choravam nem entender o que se passava.
O pai chorou e pediu perdão a elas. Ele não seria capaz. Então trancou as crianças no cômodo e foi até a sala. A esposa o encontrou em frangalhos. Já não era o homem com o qual ela casou. Ela compreendeu duramente o que eles teriam que fazer. Não viam mais condições de viver sem os filhos.
A mulher pediu para o marido esperar. Ela foi até o quarto, vestiu o seu melhor vestido. Certamente era um que tinha algum significado importante para ela. Lembrou os bons momentos que passou com ele. Escovou longamente os cabelos ruivos, enquanto ouvia o choro das crianças no andar de cima. Elas batiam na porta, implorando ao pai que abrisse. A mulher vestiu seu melhor par de sapatos, colocou o colar que pertencera a sua avó e com algum esforço, talvez tivesse conseguido recolocar a aliança de casamento.
Desceu para a sala e encontrou o marido trancando a casa.
Os dois despediram-se com um beijo, enquanto a Tv repetia a mensagem de alerta para os vivos procurarem os abrigos militares. A mulher talvez tivesse pedido perdão por alguma coisa e os dois choraram juntos.
Quando a hora final chegou, eles disseram adeus um ao outro.
Enquanto ouvia as crianças chorando no andar de cima, o marido apontou a arma para a mulher ruiva e atirou. Ela caiu no chão e ainda tentou sorrir, olhando para ele com a carabina na mão. O buraco fumegante aberto no peito dela verteu algum sangue no piso. O marido abaixou-se e apoiou a cabeça da mulher no colo. Ela olhou nos olhos dele até que as coisas se apagaram.
O marido então passou a mão pelo chão, e escreveu uma mensagem nas paredes, pedindo a Deus que os perdoasse. Não por cometerem suicídio, mas por abandonarem as crianças à sua própria sorte. Ele sabia que aquele não era o papel de um pai. Mas não tinha coragem de matar os próprios filhos. A dor pela morte do menino, seu xodó, o único entre os outros que carregava o nome dele, era demais.
Escreveu na parede branca da sala e olhou para a esposa deitada no chão. Sentou na cadeira que durante décadas serviu para ver Tv. Posicionou a carabina com cuidado contra a têmpora e puxou o gatilho.
Após o estampido, a casa caiu num profundo silêncio e o eco dos choros infantis lentamente deu lugar a rugidos e gemidos grotescos. A porta do banheiro foi raspada e mordida até que novamente o silêncio tornou a imperar naquela casa da colina. E assim ficou por vários e vários dias.
Claro que tudo aquilo era apenas uma série de conjecturas feitas pelo zumbi. Alice desceu as escadas de madeira carregando fronhas, travesseiros e dois colchões.
-Vou dormir aqui e você ali. – Ela disse, apontando os colchões na sala de jantar.
David olhou para ela com os olhos vazios e inexpressivos de sempre, mas por dentro estava desolado. Ele sentiu na pele o quão duro era ser um zumbi naquele momento. As camas separadas, Alice verificando as balas do revolver no tambor antes de se deitar com a mesma ao lado.
David se deitou na cama arrumada no chão. O cheiro de podre na casa ainda era forte. Eles não tinham coragem de dormir com a porta e janelas abertas. Quando Alice fechou a casa, o cheiro da morte ressurgiu como uma presença maligna.
-Boa noite David. – Disse ela, apagando a lamparina.
-Unnnngrrrr. – Ele gemeu baixo.
O tempo decorreu e David ficou ali, de olhos fechados, ouvindo os gemidos infantis no andar de cima. As crianças ainda gemiam no segundo andar, horas depois. Era irritante. Alice parecia dormir pesadamente.
“Pelo menos pararam de esmurrar a porta” – David pensou.
Ele podia ouvir as crianças gemendo e conseguia identificar pelo menos três delas no banheiro. Quando o silêncio se abateu sobre a casa da colina, os pensamentos da cena de Alice sendo estuprada invadiram sua mente.Aquilo o machucava. Não pelo fato de ter visto a mulher que ele amava sendo violentada por psicopatas, mas por ele tê-la visto gozando. Pedindo para que o homem não parasse. Aquilo doía. A imagem não lhe saía da cabeça. David tentava dormir, fechava os olhos, mas o sono não vinha. Só os pensamentos terríveis e lembranças ainda piores.
“Que merda! Zumbis não dormem.” – David pensou. Se conscientizou que talvez não fosse dormir nunca mais. Esforçou-se para ter pensamentos bons e lembrou-se da última vez que havia dormido. Ele tinha ido a nocaute depois de fazer amor romanticamente com Alice. A melhor noite de toda sua vida havia precedido a pior fase de sua existência.
Alice estava agitada. Estava tendo um pesadelo. Uma criatura escura a agarrava. Ouviu o som da chibata estourando e ecoando na floresta. Viu dentes pontiagudos se abrindo na direção dela. Ouviu o rugido ameaçador do Urso pardo das montanhas… Alice acordou banhada de suor. Ela sentiu um sopro frio atingindo seu rosto. A morena abriu os olhos e viu a porta aberta. Era o vento da madrugada.
Alice se assustou. Sacou a arma.
“Santo Deus! Alguém entrou na casa!”
-David? – Ela sussurrou na escuridão.
Não houve resposta. Apenas o som do vento soprando lá fora. Era um vento frio que entrava levantando poeira pela casa. A porta começou a bater com a ventania.
Alice viu os clarões no céu. Uma tempestade se anunciava.
-David? David? – Alice tateou em busca do zumbi, mas notou que a cama dele estava vazia.
Ela foi até a mesa onde havia deixado a lamparina. Quando finalmente conseguiu acender o equipamento, viu que a cama de David estava remexida no chão. E não havia nenhum sinal dele.
Ela começou a desconfiar que talvez David tivesse sofrido da fome zumbi. Alice vestiu as botas, pegou a lamparina e a arma e saiu da casa. Ela andou pelas cocheiras, em busca de algum sinal de David, mas a fazenda parecia deserta.
Foi até o celeiro, na esperança de encontrar David Carlyle comendo os cadáveres do casal, mas lá só havia moscas e larvas se alimentando dos cadáveres malcheirosos. Ela voltou para a casa. Talvez David tivesse ido ao segundo andar.
O primeiro trovão estourou na escuridão da noite, ribombando em ecos que lembravam o fim do mundo. De tempos em tempos, clarões iluminavam o céu e ao longe, ela viu cair um raio.
Alice subiu as escadas com medo.
A luz iluminou o comprido corredor que terminava na porta do banheiro. Tão logo a luz adentrou por baixo da fresta, as crianças começaram a bater e arranhar a porta novamente.
Não havia sinal de David em nenhum dos quartos. Alice notou que a gaveta da escrivaninha do escritório estava aberta.
Ela desceu tentando imaginar onde David teria se metido. Ao descer pelas escadas, Alice olhou na direção da cama e viu alguma coisa.
Havia um pedaço de papel sobre a cama de David. Era a metade de uma folha de caderno rasgada, e estava jogada sobre a cama dele. Talvez tivesse voado com o vento. Alice pegou o papel e viu que tinha algo escrito a lápis, mas a letra era um garrancho ilegível. Ela trouxe o papel para perto da luz, e levou algum tempo para entender o que estava escrito naquele papel:
“Querida Alice,
Não podemos ficar juntos. Nosso destino nos condena. Vou embora para que você possa [parte totalmente ilegível] buscar ajuda em [ilegível] cidade. [ilegível] amei de todo coração e desejo [ilegível] sucesso do mundo, sobrevivendo neste inferno.
Sempre te amarei. Nem a morte [ilegível] meu coração.
David.”
Alice caiu sentada na cadeira. Não podia acreditar que havia sido abandonada pelo zumbi.
-Ah, não… David. – Ela disse com lágrimas nos olhos.
Alice compreendeu de uma só vez que David, apesar de morto, ainda estava ali. E embora não conseguisse mais falar, ele conseguia escrever.
Alice ficou olhando para o pedaço de papel e imaginando o quão triste deve ter sido para David tomar aquela decisão e partir na escuridão da noite, em uma fazenda afastada da estrada, no meio do nada. David sabia que na condição de um morto-vivo ele acabaria sendo um risco para a vida dela, direta ou indiretamente. Ele sabia também que a coisa mais sensata a se fazer seria Alice matá-lo como ele havia feito a moça prometer, mas ela nunca teria coragem de fazer aquilo. Não com ele.
Por isso partiu, liberando Alice da difícil tarefa de conviver com um meio-zumbi. David percebeu que ele não poderia mais ser o homem para aquela mulher e que ela teria mais segurança se pudesse encontrar abrigo com um grupo de sobreviventes. E isso nunca iria acontecer se ela estivesse na companhia de um zumbi. Mesmo sendo um que pensa.
Alice estava em frangalhos. Sentia-se o pior ser do mundo. Não estava pronta para lidar com a situação de abandono. David havia sido a única pessoa na Terra que não a abandonou em momentos horríveis, e ela esperava que ele fosse estar do seu lado para sempre. Agora só restava uma cama bagunçada improvisada na sala, e a solidão doeu fundo no peito dela.
Alice começou a chorar e a chuva se abateu violenta sobre a fazenda. A água gotejava pela casa toda, e escorria pelos vidros da varanda. Alice ficou ali, sozinha, chorando, sem saber o que fazer.
Então, Um barulho ensurdecedor estourou perto dela e um clarão iluminou tudo de branco.
Um raio havia caído na árvore ao lado da casa. O tronco explodiu com o calor súbito, quebrando a árvore em duas partes. Uma atingiu a varanda, quebrando uma parte da janela da sala, e a outra caiu perto do carro.
Alice correu para ver o barulhão na varanda. Estava tudo escuro e a lamparina era ineficiente para iluminar a varanda. O vento forte adentrava os buracos na janela.
Novos relâmpagos iluminavam o pasto. Num dos clarões, Alice viu o que lhe pareceu ser um vulto andando ao longe. Não dava para ter certeza se estava vindo na direção da casa ou indo.
Ela correu para a varanda e forçou os olhos tentando enxergar na escuridão.
-Merda! Quando a gente quer que dê um clarão, não acontece. – Ela disse, aflita.
Levou algum tempo até que um novo clarão iluminasse o pasto. A figura estava longe, mas era ele. Era David. Andando a pé, na direção da estrada.
-David! – Alice gritou.
Ela saiu correndo, largando a lamparina para trás. Corria esbaforida pelo pasto. O coração palpitando. Tudo que ela queria era abraçar David. Segurá-lo contra o peito. Ficar com ele.
Alice ia correndo e esperava os relâmpagos para que eles lhe mostrassem onde David estava.
David era quase um ponto negro no horizonte. A chuva caía fria, congelante. Alice estava ensopada. Mas ela corria, incansável, para se encontrar com David.
Subitamente, um clarão iluminou o céu e Alice viu um enorme raio branco surgir onde antes estava David Carlyle. No segundo seguinte, não havia nem sinal dele.
-Nããããããããããããããããããããããããããããããoooooo! – Alice caiu no chão de grama, sem forças.
Aquele tinha sido um raio de proporções bíblicas. O som da explosão causada pelo raio ainda ecoava nos ouvidos dela.
Alice levantou-se. Limpou a lama do rosto. Sentia o gosto salgado das lagrimas entrando na boca. Ela levantou e tentou olhar na distância. Não havia mais sinal de David.
Alice estava no meio do pasto. Ela olhou para cima e ouviu os trovões estourando e notou o céu se iluminando com os relâmpagos. Então ela caiu na real de que ali no meio do pasto, ela também levaria um raio na cabeça.
Alice correu desesperada para a casa. Conseguiu chegar na casa completamente molhada de chuva e lama. Ela foi até a cozinha e pegou a chave do carro. Saltou para fora da casa e entrou no veículo.
Acelerou pela estrada esburacada e cheia de lama, em direção à estrada.
Enquanto dirigia perigosamente rápido em meio a tempestade, Alice chorava, já temendo pelo pior.
Quando chegou na porteira que dava acesso a estrada, não parou para abrir. Meteu o carro com toda força contra a porteira, despedaçando as tábuas em fragmentos para todos os lados.
O carro acelerou rapidamente em direção a estrada, e em seguida, disparou pelo asfalto até a curva onde de longe Alice viu o farol alto iluminar um volume escuro no meio da via.
Ela meteu o pé no freio e o carro derrapou. Alice pisou fundo no freio, tentando manter o carro alinhado. Ele escorregou com as rodas ainda cheias de lama no asfalto encharcado, e quase atingiu aquela coisa. Quando o carro finalmente parou, estava a poucos metros do corpo de David.
Alice saltou do carro e correu na direção dele.
-David! David!!!
Embora chovesse copiosamente, Alice sentiu o cheiro de queimado quando se aproximou. Ele estava emborcado, com a cabeça contra o asfalto. O sobretudo preto lhe cobria todo o corpo.
Alice teve medo e puxá-lo. Temia que ao virar o rosto dele, desse de cara com uma massa de carne dismorfa e fumegante.
-David!
Quando ela finalmente puxou David, ele estava com a expressão pálida de sempre. Os olhos revirados dentro das órbitas. Não parecia vivo, quer dizer, David já não parecia vivo há algum tempo, mas naquele momento parecia duplamente morto.
Alice viu que a fumaça surgia do canto da estrada. Um poste de luz havia sido completamente derretido pelo poder do raio.
Ela agarrou David e arrastou-o pelo chão até o carro. Com algum sacrifício conseguiu jogar o corpo de David no banco de trás e o levou de volta para a fazenda.
Algum tempo depois, David está encharcado, estirado no sofá. Alice também molhada, olha para ele à luz da lamparina. A chuva lá fora continua, copiosamente.
-Ah, David… – Ela diz, se lamentando.
Ele parecia completamente morto. Não havia nenhum sinal vital. Ela esperou, que subitamente ele se levantasse ou tremesse ou desse o mais leve indício de que poderia se recuperar. Como David não tinha nenhum sinal de queimadura, Alice concluiu que o raio caiu no poste, ao lado dele e que a gigantesca onda de choque provocada pela descarga elétrica o havia atingido e jogado longe.
-David. Não vou desistir de você. Já te vi morto assim outra vez. – Ela disse, olhando para ele. David pingava, molhando todo o sofá de couro.
Alice sentia muito frio. O vento gelado entrava pelas frestas quebradas da janela da sala. Alice achou melhor mudar de roupa. Ela pegou a lamparina e foi até o quarto do casal no andar superior.
Ali, no armário encontrou os vestidos da ruiva. Achou uma toalha, com o qual secou-se. Depois vestiu um rodado, de bolinhas. Ela também pegou algumas roupas do fazendeiro. Uma calça de moleton, uma camisa de flanela horrível, com padronagem xadrez de gales. Enrolou a toalha nos cabelos e desceu.
Alice levou um susto quando a lamparina iluminou a sala e ela deu de cara com David de pé, na sala, de costas para ela, olhando para a inscrição da parede.
-David! – Ela gritou.
David virou-se. Ele parecia confuso. Olhou para ela e para o arredor, como se não entendesse como havia parado ali.
-Calma, David! Calma. Senta aí. – Alice apontou o sofá e David se sentou, obediente.
Alice desceu até onde David estava.
-Você está me reconhecendo? – Ela perguntou, mantendo-se distante por precaução.
David hesitou. Olhou para ela com aquele olhar vazio. Alice sentiu um frio na barriga. Temia que o zumbi não a reconhecesse e este era o maior dos riscos. O que lhe impediria de atacá-la?
David então moveu a cabeça em sinal positivo. Alice respirou aliviada.
David olhou para o papel na mesa. Ele meteu a mão no bolso do sobretudo molhado e pegou um lápis.
Apontou para o papel.
-Que? Quer escrever? Toma. – Alice pegou o papel e passou para David.
Ele levou algum tempo tentando firmar a mão, que tremia como a de um velho decrépito. Então escreveu no verso:
O que aconteceu comigo? Estou tonto.
Em seguida, ele estendeu o papel para Alice. Ela leu aquilo.
-David, você foi embora. E um raio caiu perto de onde você estava. Eu fui lá e te busquei. Por que você fez isso, David? Por que você foi embora?
David ficou imóvel, olhando o papel.
Alice ficou ali, olhando para ele. Ela sentia um misto de pena, tristeza e ternura.
David voltou a escrever. Demorou um longo tempo com o papel na mão. E enfim, estendeu para Alice.
Era singelo. Estava escrito apenas:
Desculpe. Eu não queria te magoar.
David (o desenho tosco de um coração) Alice
-Eu te amo, David! – Ela disse chorando. Abraçou o zumbi apertado.
David retribuiu o abraço, enquanto sentia uma dor aguda comer suas entranhas e estourar nas suas juntas. Os dois ficaram um longo tempo abraçados. O sobretudo molhado de David estava molhando novamente o corpo de Alice. David sentia novamente a vontade incontrolável de comer carne humana.
-David, vem, veste isso aqui, ó. Você tá todo molhado. – Ela disse, tirando o sobretudo dele.
Após secá-lo com a toalha dos cabelos, Alice colocou a roupa do fazendeiro em David. As calças ficaram meio pescando siri, e a camisa era uma coisa horrenda, mas pelo menos estavam secos.
Alice estava sentada à mesa na sala. David estava na poltrona.
David voltou para a cama dele.
Alice olhou nos olhos do zumbi antes de dizer:
-Boa noite, David. – E em seguida apagar a lamparina.
David ficou parado, olhando para o teto. A escuridão da sala era iluminada de uma luz branco-azulada de vez em quando. O barulho da chuva lá fora era abafado. O zumbi resignou-se e fechou os olhos esperando que o dia voltasse a surgir logo. Mas então sentiu alguma coisa esbarrar nas pernas dele e o corpo de alice deitou sobre ele. E depois rolou para o lado dele.
David soltou um gemido baixo.
-Shhhhhhh. – Ela sussurrou baixinho. – Não fala nada.
Alice tocou seus lábios quentes nos lábios frios de David. Ele abriu a boca e sentiu a língua de Alice roçar na dele. Era quente e macia. Tudo que ele precisava fazer era fechar a boca com força para decepar aquela língua que dançava serpenteando na boca dele. David imaginou o sangue quente jorrando na boca dele, descendo pela garganta…
Mas o beijo apaixonado acabou antes que ele pudesse terminar de imaginar como iria morder o delicado tecido que envolvia os lábios doces daquela mulher.
David sentiu o cheiro maravilhoso dos cabelos dela. Ela se aconchegou junto ao peito dele. E dormiu, abraçada com o zumbi.
David ficou pensando o quanto teria de ser forte e conter a vontade de comê-la. Imaginou-se como um beduíno do deserto do Saara, desidratado, com sede, já quase morrendo, dormindo abraçado com um copo d´água.
…
Quando Alice abriu os olhos, David estava parado, olhando para ela como um boneco de cera.
-Hã? Cruzes, David. Que susto! – Ela reclamou.
David estava imóvel. Os olhos fixos nela, como um boneco.
-Você ficou velando meu sono?
David acenou positivamente com a cabeça.
O sol entrava fraco pelos buracos da janela, iluminando o interior da sala.
-Ung… Minha cabeça. Que dor no corpo.- Disse Alice. Em seguida espirrou. -Acho que peguei um resfriado.
Os dois se levantaram.
Vem, David. Vamos tomar café. – Ela disse, indo até a cozinha. Alice pegou alguns biscoitos e serviu um copo de refrigerante quente.
-Quer?
David negou movendo a cabeça de lado a lado. Alice entendeu imediatamente. Ela percebeu que a comida normal fazia mal a David e apenas a carne humana lhe satisfaria.
-Como você está, David? – Alice perguntou mordendo um pedaço de bolacha.
David saiu da cozinha e foi até a sala. Alice já pensava em ir atrás quando ele retornou, com o papel e o lápis na mão.
David escreveu:
DOR
Alice se assustou. A palavra havia sido grafada em maiúsculas.
-Muita dor, David?
Ele moveu a cabeça em sinal positivo.
Alice ficou pensativa. O silêncio só era cortado pelos sons dos passarinhos voando lá fora.
David… Precisamos sair daqui, né?
David escreveu:
A dor vai piorar. Preciso [ilegível] carne.
Alice entendeu.
-Embora haja comida para alguns dias e mais conforto do que tínhamos na cabana do caçador, a dor vai piorar, né?
David assentiu com a cabeça.
-David… Temos que arranjar comida pra você. – Ela disse num tom estranho.
Os dois ficaram se olhando. David escreveu:
CIDADE
-Bom, temos mesmo que dar no pé. Cedo ou tarde aquelas coisas trancadas no banheiro vão dar um jeito de sair de lá. Vem, David. Vamos olhar pela casa pra ver se tem combustível, água, lanternas, coisas assim.
Alice enfiou mais duas bolachas na boca e tomou um gole de coca-cola.
David foi até o andar de cima. Alice começou a mexer nos armários da casa, em busca de algo que fosse útil. Achou uma caixa com algumas balas da carabina. Velas, fósforos, lanterna. Não havia água e a que saía da pia não parecia muito confiável.
David desceu as escadas segurando um bloco de papel numa mão e um mapa na outra.
-Um mapa!
David gemeu baixinho e colocou o mapa no centro da mesa.
-Onde será que nós estamos?
David ficou olhando o mapa em silêncio. Então ele apontou com o dedo trêmulo um ponto no mapa. Era o lago da reserva.
Em seguida, David foi até o sofá e começou a vestir as roupas de Ed.
-Mas isso está molhado, David! – Alice tentou impedi-lo. David a empurrou devagar, afastando-a.
-Tá, tudo bem, Cê que sabe. Quer bancar de Matrix? Vai fundo. Zumbi não pega pneumonia, né? Mas eu vou ficar com este vestido aqui. Tudo bem que ele não combina muito com as minhas botas… Né?
Pela primeira vez o zumbi esboçou um sorriso.
David voltou a apontar o mapa. Ele então puxou o dedo pelo mapa, mostrando a rodovia que eles haviam trafegado, saindo daquela área até uma cidade enorme.
-Acho que nós andamos uns 400, talvez 500 quilômetros. -Alice falou, mostrando no mapa a distância.- Devemos estar por algum lugar nessa área aqui, ó.
O zumbi concordou em silêncio. Alice tornou a falar.
-David, estamos perto da cidade de Atlanta. Não falta muito. Talvez uns 200 km ou menos, mas o carro está na reserva. Com certeza não vamos ter combustível para chegar lá.
David ficou parado, olhando para Alice.
-Não sei como vamos fazer. Se pelo menos os cavalos não estivessem mortos…
Nisso, um barulho chamou a atenção deles. O barulho ecoou. Era a porta do celeiro batendo. Alice correu e abaixou-se perto da janela.
Ela olhou pela fresta e viu que havia um morto cambaleando perto do celeiro.
-Olha lá, David. – Apontou Alice, abaixando-se atrás da janela. – Viu?
David olhou rápido. E escondeu-se também.
-Acho que é só um. O que você acha?
David fez sinal de dois com os dedos.
-Como que essas merdas chegaram aqui? – Sussurrou Alice.
David colocou o dedo na ponta do nariz.
-Hummmm. Puts! – Disse ela batendo com a mão espalmada na testa. – Agora que eu estou entendendo. Que merda que nós fizemos, David. Agora eu entendi porque o coroa fechou a casa toda. Era para conter o cheiro. O cheiro dos mortos no celeiro está se espalhando pelo ar. Está sendo levado com o vento. – Ela completou.
David apenas concordava com a cabeça.
-David, se não dermos logo o fora daqui, este lugar vai ferver de zumbis! – Disse Alice com o olho arregalado de pavor. -Vem, pega o mapa. Pega os revolveres. Eu fico com a carabina. Vamos colocar tudo numa sacola. Corremos para o carro e vamos dirigir até o combustível acabar. Deve dar pra mais uma meia hora de estrada. Aí pra frente deve ter algum outro carro.
David concordou. Ele pegou as duas pistolas. Alice colocou as balas na carabina do suicida. Ela pegou um saco de mercado. Colocou uma garrafa de refrigerante dentro dele, o resto dos biscoitos, uma lanterna, o bloco de papel e uma caneta e o mapa.
Amarrou o saco e enfiou os braços pelas alças, como se fosse uma mochila.
-Pronto? – Ela perguntou junto a porta.
David assentiu com a cabeça.
-Vamos! – Disse ela, correndo para fora da casa.
Os zumbis que estavam perto do celeiro começaram a gritar. Em menos de um minuto cerca de cinco zumbis estavam correndo no pasto, vindo na direção deles.
Alice entrou no carro e ligou o motor.
David jogou-se no banco de trás.
A moça mirou a carabina da janela do carro.
-Cinco, quatro três dois… Tchau saco de merda! – Disse ela, disparando. A cabeça do zumbi que vinha na frente estourou. Os outros vinham mais atrás.
Alice meteu o pé no acelerador e o carro disparou pela estrada de terra, indo na direção de onde vinham os zumbis.
-Segura aí, David! – Ela gritou.
Não houve tempo de David segurar. O carro atropelou dois zumbis. Os corpos se chocaram contra o vidro, estilhaçando-o. Um zumbi saltou sobre a mala do carro e garrou-se na janela de trás do veículo.
Ele começou a içar o corpo para dentro do carro.
-Mata! Mata! – Gritava Alice. David colocou a arma na testa do zumbi e puxou o gatilho. Uma explosão de sangue gosmento, fumaça e pólvora inundou o carro. O corpo caiu na estrada.
O carro saltava os últimos buracos lamacentos em direção ao asfalto.
…
Já era quase meio dia e eles estavam na estrada.
À medida em que se aproximavam da cidade, mais e mais carros batidos, capotados e carcaças esturricadas de veículos incendiados apareciam na beira da estrada.
De tempos em tempos, Alice parava o carro e David descia para conferir se algum estava em condições. A maioria dos carros havia sido abandonada pelas pessoas na hora da fuga em massa. Incrível como as pessoas mesmo nas piores horas tem a horrível mania de levar consigo as chaves dos veículos.
Havia todo tipo de carro naquele lugar. Dos velhos, batidos e enferrujados aos caríssimos veículos de luxo.
David e Alice pararam ao ver um impecável Bentley branco enfiado na traseira de um Suzuki Swift modelo 1990, todo amassado e sujo de lama.
Alice e David sabiam que carros muito luxuosos eram grandes fontes de problema, pois tinham motor possante em demasia e se caracterizavam pela pouca economia de combustível.
-Imagina o ódio do ricaço, David. – Disse Alice apontando o carro.
Eles seguiam pela contra-mão, já que a mão que levava para fora da cidade era um mar de carcaças e veículos. A confusão só era quebrada de vez em quando, porque com a passagem do carro deles, os urubus e corvos se assustavam, decolando para o céu. Eventualmente, pequenas matilhas de cachorros corriam pelos carros indo se esconder no mato perto do acostamento.
-Os animais estão comendo os restos que os zumbis deixaram. – Comentou Alice ao ver um grupo de urubus brigando por um pedaço de carne pobre sobre uma limusine.
Algum tempo depois, quando o carro deles começou a engasgar e finalmente parou sem combustível, eles resolveram descer.
-Vem, David. Vamos dar uma olhada pra ver se achamos alguma coisa. Vem com cuidado. – Falou Alice, com a carabina apontada na direção dos carros.
David Desceu. Ela viu que David parecia bastante frágil. Estava tremendo e parecia ter o raciocínio cada vez mais lento. Movia-se com dificuldade, cambaleando, como na floresta.
David sacou o pedaço de papel e escreveu algo. Virou o papel para ela. Estava escrito:
Preciso de carne. A dor [ilegível] insuportável!!!
Calma, David. Calma! Nós vamos achar comida pra você.
Alice e David começaram a vasculhar os carros, em busca de algum veículo que ainda estivesse em condições. Sempre que eles achavam algum com a chave na ignição, ele estava preso pelo engarrafamento e era impossível retirar o carro dali. A maioria dos carros estava com as portas abertas. Alguns continham malas com roupas e até comida. Alice encontrou um carro com varias garrafas de água lacradas. As garrafas estavam quentes pelo sol escaldante que fazia naquela tarde, mas ela bebeu mesmo assim.
Eles andaram um bom pedaço, olhando os carros e procurando coisas que fossem úteis. David achou um jipe. E conseguiu virar a chave no contato. Ele ligou.
-David, o problema do Jipe é que ele é aberto. Veja. Essas coisas vão pular em cima de nós! – Disse Alice, avaliando o carro.
Vem, pega a chave. Se até aquela placa lá não acharmos nada que preste, vamos meter as caras de jipe mesmo.
David retirou a chave do contato e guardou no bolso. Continuaram a vasculhar os carros.
Alice achou finalmente um fusca, que estava com um pneu furado. Mas a chave estava no contato, os vidros intactos e ele indicava o tanque cheio. Pelo interior, impecavelmente forrado em couro branco, ela concluiu que era carro de colecionador.
-Bom sinal. Carro de colecionador costuma ter um motor jóia! – Disse ela. David concordou.
Ele apontou o pneu e escreveu no caderninho:
Temos que trocar este pneu.
Alice concordou e abriu o capô. O estepe não estava lá.
- Maldição! – Ela praguejou. – O cara certamente já estava andando com o estepe. E agora?
David voltou a zanzar por entre os carros. Alice ficou sentada no fusca, olhando aquela montanha de metal retorcido, repleto de moscas, urubus e corvos. Pensou em David. ELa sabia que ele não iria aguentar muito tempo. A cada minuto, a dor ia tomando conta do corpo dele. Alice sabia que haveria um ponto em que David perderia completamente o controle. E nesta hora ele certamente iria regredir a um estágio primal e veria nela não a mulher que ele amava, mas uma solução desesperada para aplacar a dor. Alice sabia que precisava levar David até algum grupo de resistência, algum acampamento de sobreviventes, para que ele se alimentasse de gente. Não era algo agradável ou fácil de se pensar. Mas se não fizesse isso, ela sabia que cedo ou tarde, seria a vez dela se tornar o almoço. Tomou outro gole da água. O dia estava quente demais. O vapor quente dos carros fazia a estrada parecer um deserto fétido.
David estava demorando muito. Alice saiu do fusca e olhou ao redor, mas tirando pássaros que voavam ao longe e o som do vento nas árvores, não viu sinal de David.
- David? – Ela gritou. Mas não houve resposta. Então Alice tornou a gritar. – David? Cadê você?
Nada.
Ela saiu com a carabina. Andou por entre os carros e as carcaças queimadas à procura de David.
Então, Alice ouviu um barulho perto de onde ela estava.
Alice empunhou a carabina e apontou na direção do som. Mas agora tudo estava estranhamente silencioso. O silêncio macabro fazia com que ela pudesse sentir seu coração disparando. E se algum animal selvagem atacou David? Ela percebeu o quanto tinha sido burra de não ir com ele. Com a dificuldade de falar, David não conseguiria gritar ou pedir socorro.
Alice lentamente andou segurando a arma apontada para a frente. Um carro verde bloqueava sua visão. Ela ouviu um barulho estranho, úmido, de coisas pingando. Alice tremia. Ela avançou lentamente com a arma em punho e deu a volta no carro. O dedo no gatilho pronto para apertá-lo.
Então ela viu uma cena grotesca. David estava de quatro, com a cabeça enfiada dentro do carro verde. De onde pingava uma grande quantidade de sangue.
Alice não disse nada. Aproximou-se em silêncio.
Ela se horrorizou ao ver que David estava comendo os restos de um recém nascido com uma fúria de um animal.
-David! – Alice gritou assustada.
David virou para ela, a cara toda manchada de sangue. Ele se levantou meio sem graça. Limpou o sangue do rosto nas costas da mão.
-O que é isso, David? Que nojo!
David sacou o bloco do bolso. Escreveu rapidamente.
Desculpe. Eu perdi a cabeça. A criança já estava morta.
-Cruzes. Você consegue comer gente morta?
Não é igual a carne de gente viva. Tem gosto muito amargo.
David escrevia bem mais rápido agora e já não tremia mais. O carro estava todo espalhado de sangue. Os restos da perninha do neném pendiam do banco do veículo. Alice sentiu náusea. O calor, a água quente que ela tinha bebido, a cena horrenda de David comendo aquele pequeno bebê indefeso… Alice vomitou ali mesmo.
David tentou ampará-la. Mas ela o afastou.
-Sai. Sai. Preciso ficar sozinha. – Ela disse indo pelo meio dos carros. Ela voltou até oi fusca, onde jogou-se pesadamente. Estava cansada. Começou a pensar se realmente David não estava certo de ter ido embora. Ela não sabia até quando ela iria aguentar ao lado dele naquelas condições. Por mais que ela gostasse de David, aquilo não era vida. Comer um cadáver de bebê?
Minutos depois ele voltou, rolando um pneu.
Pegou o macaco e começou a içar o carro. Alice estava em silêncio. Não queria olhar na cara dele.
David trocou o pneu com alguma agilidade. Entrou no carro.
Os dois ficaram ali, parados. Em silêncio. O sol escaldante assava o interior do fusca.
David colocou a mão na perna de Alice.
Ela olhou pra ele. David mostrou o bloco:
Vamos?
-Vamos. – Ela disse, telegraficamente.
Acelerou o fusca. O motor deu uns estouros mas pegou numa boa. O carro foi jogado no mato, no acostamento. Alice avançou devagar com o carro pelo acostamento mesmo. Dirigiram por um longo trecho, de cerca de dez km, na periferia da cidade, até que chegaram a um viaduto despencado. Um tanque de guerra havia atingido um dos pilares e o viaduto desabou no meio, formando uma rampa descendente e outra ascendente logo à frente. No entroncamento a parte de baixo da rodovia era um emaranhado de carros empilhados, batidos e incendiados.
Alice parou o carro para examinar melhor o contexto.
-Porra…
David desceu e escreveu no bloco:
Será que dá?
-Acho que ele até desce, mas não vai ter força pra subir do outro lado lá.
E agora?
-Sei lá. Acho que vamos ter que largar o fusca aqui. Talvez ir a pé.
David pousou a mão com carinho no ombro de Alice. Fez um sinal com a mão. E saiu andando.
Alice voltou no carro. Pegou as garrafas de água, colocou na sacola. Empunhou a carabina e foi atrás de David.
Eles andaram pela estrada durante horas, com o sol inclemente a castigá-los.
O sol ainda brilhava forte, mas já se aproximava do horizonte o suficiente para Alice começar a se preocupar com a noite que estaria por vir. Ela sabia que as grandes cidades deveriam ser evitadas a todo custo. A grande concentração de pessoas havia tornado as cidades como Atlanta em grandes arapucas para os sobreviventes. Ninguém em sã consciência seria burro o suficiente para entrar lá sem um plano.
Alice parou para descansar. Bebeu água e olhou os prédios da metrópole elevando-se contra o céu quase sem nuvens.
-Que bom… Hoje não deve chover.
David tornou a escrever.
Medo de raio?
Alice riu. -Só me faltava essa. Um zumbi piadista. – Ela disse, admirando a paisagem do alto do viaduto onde eles estavam.
David bateu no ombro de Alice e apontou algo lá em baixo.
Ela olhou e viu um terreno baldio nas proximidades da rodovia. Havia pelo menos uns seis zumbis cambaleando devagar na estrada abaixo. Alice e David se abaixaram.
Ficaram olhando por uma fresta na junta de dilatação do viaduto.
-O que eles estão fazendo? – Ela sussurrou.
Não sei.
Alice se sentou e encostou na parede do viaduto.
-David, a noite não demora a chegar. Vamos ter que pensar num lugar seguro para dormir.
David pegou o bloco e escreveu:
Vamos dormir num dos prédios.
Ele entregou o bloco para Alice e apontou no horizonte. Grandes prédios de aço e vidro surgiam no horizonte.
-Tá, mas vai anoitecer daqui a pouco. Como que você acha que vamos entrar lá?
David ficou quieto. Ficou olhando para Alice com sua cara sem expressão. Olhou então atrás dela e apontou.
Alice se assustou. Deu um pulo com a carabina na mão, apontada na direção em que David havia mostrado.
-Que foi? Que foi? Viu alguma coisa?
David apontou novamente. E finalmente Alice notou uma moto Harley Davidson, da polícia, caída no viaduto.
David escrevia algo no bloco. Ele virou a folha para Alice poder ler.
Não sei dirigir moto. Você tem carta?
-Eu não tenho carta, mas eu sei dirigir. Ela disse, correndo na direção da moto. – Vem, me ajuda aqui. Ung, que peso!
David ajudou Alice e eles ergueram a moto da polícia.
-Bom, parece ágil. – Ela disse. – A chave está aqui, vamos ver como está de gasosa. Alice girou a chave. O mostrador informou meio tanque.
Aparentemente está tudo bem com ela. Vou ligar. Prepare-se.
Alice sentou na moto. Apertou o botão da partida e a moto roncou.
David andou até o parapeito do viaduto e olhou lá para baixo. Os zumbis andavam de um lado para o outro, agitados como formigas. Vários mortos surgiam cambaleando sob o viaduto. Estavam ouvindo o barulho, mas não sabiam onde.
-Vem David! – Alice gritou, colocando a carabina no coldre da moto.
David correu e saltou na garupa. Alice girou a manete suavemente e a moto deslisou magicamente pelo asfalto. Minutos depois, enquanto o sol se punha em raios alaranjados, Alice dirigia a moto pelo viaduto com grande desenvoltura, desviando de carcaças podres e carros batidos. David sentia o vento frio no rosto e olhava a sombra azul que eles projetavam na mureta de concreto da avenida.
Eventualmente surgia de dentro dos carros um zumbi moribundo, que David se encarregava de eliminar com as pistolas.
Alice acelerava e a moto ganhava velocidade rapidamente. Adentraram o centro da cidade. Era grande o numero de obstáculos. Tinha tanques de guerra por todos os lados. A quantidade de retalhos de roupas, manchas de sangue seco e pedaços de ossos amarelados fedendo nos cantos era imensa.
Os zumbis surgiam de todos os lugares, atraídos pelo som da moto, que ecoava entre os prédios.
Os dois cruzaram varias ruas, sempre em alta velocidade, tentando desviar das multidões de mortos, que bloqueavam certas partes das avenidas.
Numa esquina, David achou ter visto um crânio de cavalo em meio a um amontoado de ossos.
-Acho que aquele prédio lá parece bom. – Alice apontou para um prédio no final da rua, que tinha uma grande antena no alto. David sabia que aquela antena significava que uma radio operava lá. Talvez aquela fosse uma boa forma de obter socorro. Ou comida. Ou ambos.
Alice acelerou a moto, passando em meio a uma multidão de mortos vivos que corriam desajeitadamente tentando alcançar a moto. Ao virar uma esquina, a toda velocidade, Alice deu de cara com uma barricada de carros e blocos de cimento.
-AAAAAHH! – Ela gritou. Alice freou a moto, mas não houve tempo de contê-la. David saltou da motocicleta da polícia a tempo de ver Alice cair e rolar no asfalto, batendo contra o muro, desacordada. A moto chocou-se contra o paralelepípedo da calçada e disparou o alarme da polícia.
O alarme ecoou pela cidade deserta, e uma multidão gigantesca de zumbis começou a surgir de todos os lados.
“Puta que pariu! Agora fudeu!” – David pensou. Ele correu até Alice. Olhou para trás e viu os mortos correndo para onde eles estavam.
David gemeu o ruído gutural que emitia sempre que tentava falar. Alice estava desmaiada. Tinha um corte pequeno na testa.
David sacudiu Alice, mas ela não acordou. Ele então jogou a moça nos ombros e começou a disparar tiros contra os mortos que vinham cambaleando para cima deles.
David Jogou o corpo leve de Alice sobre a barricada e trepou sobre a barreira de concreto. Ele agarrou Alice novamente. Um zumbi veio na direção da perna dele. David chutou a cara do zumbi, que caiu no chão. Mas vieram outros. David olhou para frente e se assustou ao ver um mar de mortos correndo das ruas adjacentes à avenida, vindo como uma procissão. David espantou-se ao ver que atraídos pelo ruído da moto, muitos mortos estavam pulando dos prédios. No chão, já não havia mais lugar. Parecia uma São Silvestre de defuntos.
David agarrou Alice pela cintura e escalou o boqueio, feito com carros empilhados e placas de concreto. Antes de saltar para o outro lado, olhou para trás e viu que uma centena de mortos, alguns em estado deplorável de apodrecimento já estavam escalando a barricada.
David segurou firme o corpo de Alice e Saltou para o outro lado.
Por sorte aquele pedaço da rua era ladeado por prédios muito altos, formando um extenso corredor. David correu com Alice desfalecida nas costas. Já estava escuro, mas no fim da rua ele viu que havia outra barricada gigante. Ela estava longe, e parecia intransponível, mas David Carlyle viu que havia zumbis saltando dela e vindo correndo na direção deles. Agora aquela rua que mais parecia um corredor da morte estava se virando contra eles. Não havia nenhuma saída visível. David notou apenas um estreito beco entre dois prédios. Meteu-se ali com Alice nos ombros e correu pelo beco escuro. Deu de cara com um alambrado.
Ali David Carlyle contemplou que talvez fosse o momento derradeiro de morrer e de perder a mulher. Arrependeu-se de ter deixado Alice adentrar a cidade com ele. Tinha sido uma ideia estupida.
David já ouvia os gritos dos mortos vindo pela rua estreita.
Alice gemeu com ombro de David. Ela estava acordando. David Sacudiu Alice.
-Ai minha cabeça… – Ela disse, meio tonta. – Ai, para!
David sacudia Alice violentamente. Meteu a mão no bolso do sobretudo e sacou a lanterna.
Alice viu o alambrado.
-Que? Que foi? Que lugar é esse, David?
David apontou para o alambrado. Pegou a arma e apontou para o outro lado, em direção à entrada do beco.
Alice olhou para trás e viu os mortos se acotovelando para adentrar o estreito beco entre os dois prédios.
-Puta que pariu! – Ela gritou, agarrando-se e começando a escalar o alambrado.
David disparou contra a entrada do beco até que as balas acabaram. Ele jogou as pistolas.
Alice estava trepando no alambrado. David saltou e empurrou Alice, que caiu para o outro lado.
David saltou, mas a multidão de zumbis o alcançou. Dezenas de mãos pútridas o agarraram e puxaram. David virou-se e começou a desferir socos e pontapés.
Até que notou que os mortos pareciam não enxergá-lo. Eles estavam pressionando seu corpo contra o alambrado, tentando alcançar Alice.
David começou a pisotear os mortos ao seu redor. Pisou na cabeça de um anão e conseguiu dar um salto alto o suficiente para agarrar no alto do alambrado.
Os zumbis vendo que David Havia se agarrado no alto começaram a querer subir pelo corpo dele. Agora ele era apertado, mordido, arranhado e espremido contra o metal. David por sua vez, lutava ferozmente para se livrar daquela turba enfurecida e lentamente conseguiu escalar o alambrado e girar o corpo, caindo estatelado no chão do outro lado. David olhou para trás e na escuridão que já quase não permitia ver qualquer coisa, ouviu os gemidos e a gritaria e o gás nojento que exalava daquela multidão espremida entre os dois prédios e o alambrado.
Uma forte luz brilhou no rosto dele. Era Alice com a lanterna. (continua...)
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