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segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Menu Contos: Zumbi (Parte 07)

Lentamente, Alice apontou o rifle para o animal ameaçador.  Ela podia ver com a visão periférica que outros lobos corriam em silêncio por entre as árvores atrás dela. Como ela era caçadora, Alice sabia que os lobos fazem um jogo perverso com suas presas. Um deles tem o papel de espantar a presa, que tenta fugir e acaba sendo cercada pelos demais.

Alice percebeu que o lobo que rosnava pra ela tinha o focinho sujo de sangue. Imediatamente ela percebeu que era sangue de David. Talvez os lobos tivessem achado o corpo.

Os animais estavam rodeando-a.

Alice mirou bem no meio dos olhos do lobo e puxou o gatilho. A arma disparou e o eco do tiro se espalhou na montanha. Um monte de pássaros saiu voando na copa das árvores. E fez-se um silêncio sepulcral na floresta. Com o tiro, o perigoso animal voou para trás e caiu durinho. Os outros lobos se assustaram com o barulho e correram para longe.

Alice olhou para o rifle. Só havia mais uma bala.

-Ah, não. – Ela gemeu.Aquilo era grave. Alice sabia que os lobos iriam voltar em poucos segundos. Eles se reagrupariam a cerca de vinte metros dela e retornariam, mais vorazes, mais terríveis.

Ela então correu pela floresta para chegar depressa à cabana.

Enquanto corria ela viu os lobos se aproximando saltando os arbustos entre as árvores. Alice recordou que os lobos ficam mais agressivos quando a vitima foge, pois aquilo indica a superioridade da alcatéia.

Ela corria o mais rápido que podia. Mas eles eram muitos e muito velozes.

“Puta que pariu. Não vou conseguir” – Pensou enquanto olhava para trás.

Os animais já se aproximavam velozmente. Alice parou e fez mira. Um lobo saltou sobre ela.
-Seja o que Deus quiser! – Ela gritou e em seguida, puxou o gatilho. O tiro acertou o lobo no flanco e ele caiu ganindo. Os outros se aproximavam pelas laterais.

Outro lobo saltou sobre ela com a bocarra aberta.

Alice tentou lutar com os animais. Eles saltavam sobre ela e mordiam seus braços, tentando chegar no pescoço. Alice gritava o mais alto que podia na tentativa de assustar os animais, mas era inútil.

Subitamente uma paulada seca atingiu o lobo, jogando-o longe.

Alice não entendeu o que se passava, pois outros dois lobos ainda estavam sobre ela tentando morder seu rosto. Outras pauladas tiraram os animais de cima dela. Poucos segundos depois, um lobo estava morto, caído com a cabeça dobrada para trás. Outros dois corriam mancando e ganindo alto para a floresta.

Alice assustou-se de ver David Carlyle de pé, na frete dela. Ele segurava a enxada no ombro. Estava contra o sol, então ela não conseguiu ver direito.

-David?- Ela perguntou enquanto tentava se levantar.

Ele não respondeu. Apenas ficou parado, segurando a enxada.

Alice levantou-se com dificuldade. Estava ferida. A jaqueta de couro grossa havia evitado a maior parte das mordidas, mas ela tinha cortes nos pulsos e no rosto.

Quando Alice olhou para David espantou-se. Seu coração gelou.

Ele estava em pé, meio cambaio, segurando a enxada. Mas já não era mais o homem que ela amou na noite anterior. Era apenas um corpo, com o olhar vazio apontado para ela.

-David? David? Não… David!?- Ela chorava.

Ele não disse nada. Apenas deu um passo vacilante em direção a ela. Seu corpo todo tremia e ele parecia não conseguir se firmar em pé. Jogou a enxada no chão e esticou os braços na direção de Alice. Então o zumbi soltou um gemido mórbido e gutural e veio lentamente na direção dela.


Alice andou para trás, assustada. Ela sentia um misto de horror, pavor e desapontamento.
David Carlyle Deu apenas mais um passo e parou. Ele olhou para ela com seu olhar vazio. E então virou-se, voltando a adentrar a floresta. Alice viu o zumbi caminhar com seus passos sempre vacilantes até sumir entre as folhagens.

Só então ela respirou. Percebeu que estava ofegante, havia ficado contraída, sem respirar dado o medo. Ela olhou os cadáveres dos lobos. Um tinha a cabeça esfacelada, de onde descia uma fina cascata de sangue pela trilha.

Alice correu para a acabana. Ela entrou e trancou-se lá. Sentou na cama e chorou.

Ela chorou por vários minutos. Aquele era o pior dia de sua vida. Lembrou dos lobos, e do pavor que sentiu quando as balas acabaram e os animais a alcançaram.
David havia salvado sua pele, como fez outras vezes, mas nada a havia preparado para descobrir que ele agora era um dos mortos vivos antropófagos que se espalham lá fora a cada dia.
Por alguma razão ele conteve sua natureza e não ousou atacá-la.
Sua cabeça era uma confusão completa. Em alguns momentos, Alice se pegava agarrada em pensamentos como o de que talvez David não fosse um zumbi. Talvez estivesse apenas muito machucado, muito desidratado pelo sol. Talvez tivesse desmaiado na cachoeira, caído e batido a cabeça numa pedra. Quando ela achou que ele estava morto, na verdade estava apenas com hipotermia. Ao ser colocado na pedra quente, o corpo de David recuperou o preciso calor necessário para a vida humana e ele despertou, sem que ela estivesse ali para ajudá-lo. Talvez David tenha vagado perdido pela floresta buscando uma forma de retornar à cabana…

Mas esses pensamentos não duravam o suficiente. Eram pequenas tábuas de salvação no qual ela desesperadamente se agarrava, apenas para ficar alguns segundos sentindo uma coisa que era boa, para em seguida desabar, aos prantos num sofrimento terrível de perceber que agora estava sozinha.
A tarde já ia longe e os raios alaranjados do por do sol adentravam pela janela da cabana.
Alice sabia que ela precisava sair daquele lugar ermo, repleto de criaturas selvagens e agora com um zumbi nas vizinhanças.
Mas naquela altura, seria loucura sair da cabana, percorrer a trilha até a administração do parque, onde estava o carro. Alice conhecia bem aquelas coisas. Eles ficam mais ativos durante a noite.
Alice olhou a garrafa de vinho vazia no chão da cabana, perto da pia. Agora, tudo naquele lugar lhe lembrava de David.

Ela não resistiu e voltou seus pensamentos para David. Lembrou-se da noite feliz que passaram juntos, de pileque por causa do vinho. Lembrou da tórrida noite de amor em frente a lareira.
Voltou a pensar no David Zumbi. Era óbvio que ele realmente estava morto. Dava para ver em sua expressão perdida, vazia. Ele agora era apenas mais uma daquelas criaturas sem vida que vaga na escuridão em busca de gente para comer.
Mas zumbis não usam ferramentas. Em todo o tempo que viveu fugindo da contaminação, ela nunca tinha visto um zumbi usar uma arma, mesmo sendo um pedaço de pau de enxada.
Aquilo era realmente estranho. Mas ainda mais estranho era o fato de que David tinha lutado contra os lobos, mas não avançou sobre ela com um ataque mortal.
Alice até podia entender que um zumbi atacasse os lobos, que saltavam sobre ela. É um mecanismo básco, presente em todos os animais da natureza. Quando um predador hierarquicamente superiror detecta que outros predadores inferiores na cadeia alimentar obtiveram uma boa presa, ele parte para cima e afasta os “subalternos”, para se satisfazer com o serviço já adiantado. Era assim com os ursos e com os leões nas savanas africanas. Este comportamento é descrito em praticamente todos aqueles manuais de caça que Alice leu no curso. O que não faz o menor sentido é o zumbi fazer isso e fugir para a floresta em seguida.

Alice olhou pela janela. A noite já começava a cair e os últimos raios do por do sol sumiam atrás da montanha, refletindo o tom violeta do céu na superfície do lago. A jovem viu que a cabana já estava imersa em quase total escuridão. Pensou em acender a lareira, mas a madeira estava do lado de fora. Além do mais, a luz da lareira poderia atrair David.
Ela se conscientizou que iria passar a noite naquela cabana. Sem arma. Sem tranquilidade.
Lembrou que os corpos dos lobos jogados na trilha perto da cabana certamente iriam apodrecer e atrairiam animais carniceiros para perto. Mas já era tarde, e sair para pegar aqueles cadáveres e se livrar deles seria um desafio. Tudo que ela podia fazer era trancar bem a porta, usar uma cadeira para firmar a tranca. Se houvesse um jeito de colocar uma tábua nas janelas, ela se sentiria mais segura. Mas não havia tábua nem ferramentas. A cabana tinha duas janelas, que não eram muito grandes, mas que permitiriam ao zumbi meter-se por ali para atacá-la.
Alice foi até o armário e pegou os fósforos. Com eles iluminou durante poucos segundos o ambiente, para procurar as velas. Ela havia visto uma caixa de velas em algum lugar da cabana.
Minutos depois e cerca de vinte palitos gastos para iluminar, ela finalmente achou o pacote de velas, que estava perto da lareira.

Alice acendeu uma vela debaixo da mesa, de modo que a sombra do tampo, dificultasse a ver de fora o brilho da luz na cabana.

Ela vasculhou as sacolas de alimento em busca de algo para comer. Achou um vidro de maionese e uma lata de atum com tampa abre-fácil.
-Deus abençoe o cara que inventou esta merda! – Disse ela, abrindo a lata.
Havia também um pacote de biscoito cream cracker, que ela usou para passar a mistura de atum com maionese em cima. Ainda restavam duas garrafas de água mineral.
Alice sentou-se perto da cama, no chão. E praticamente oculta sob a mesa, comeu ávidamente.
Aquele tinha sido um dia cheio e os exercícios de correr na floresta, carregar o corpo de David de um lado para o outro, saltar na cachoeira, descer e subir a trilha da montanha a tinham deixado exaurida. Ela não havia comido ou tomado café da manhã e a fome era terrível.

Após comer o pacote inteiro de cream cracker com maionese de atum, e em seguida outro pacote de salgadinhos e mais duas barras de chocolate de sobremesa, Alice pensou em dormir. Ela removeu a vela, pegou o colchão da cama e jogou sob a mesa. Apagou a vela e tentou dormir. Sentia-se mais segura escondida sob a mesa.

Levou um tempo para que conseguisse dormir e antes de pegar no sono e se entregar, Alice ficou pensando na razão que levou David a não atacá-la. Zumbis não recusam carne. Ela lembrou-se de tudo que ele havia dito na viagem sobre como os homens de branco queriam que ele fosse uma cobaia para testar o comportamento do virus em seu corpo. Talvez ele fosse mesmo diferente.
Alice ficou pensando naquilo e finalmente relaxou, até que dormiu.



-Vai se foder seu babaca! – Berrou Edson, socando a porta do trailer.
Edson estava puto. Aquela era a terceira vez que o trailer parava por falta de combustível na mão de Michael.
-Porra, esta bosta bebe pra caralho! Como que eu ia saber, Edson? Agora a culpa é minha?
-É! Você que só pegou um galão de gasolina. Porra, você tinha que ter pego mais.
-Mas foi o máximo que tinha no latão porra!
-Então você tinha que ter me avisado, seu inútil. Agora por causa dessa sua babaquice, olha onde a gente está. Olha ao redor. Tá vendo cidade? Tá vendo estrada? Não. Só mato. Mato, caralho!
-Você que é um babaca. Você devia ser grato pelo que eu fiz por você, seu otário!
-Ah, olha aí como que você é! Basta uma discussão para jogar na minha cara essa sua mania de gratidão eterna.
-Se você tivesse me salvado daquelas merdas lá, eu pelo menos seria grato e não falaria assim com você.
-Tá bom, tá bom. Não fode, baixinho de merda. -Resmungou Edson.
-Do que você me chamou?
-Ah, não enche, cara. O que eu quero saber é: E agora? E se aqui nesse matagal do caralho tiver um monte de zumbis? Esses caras vão cercar o trailer e não demora vão entrar aqui e comer a gente. E aí? E aí? E aí? E aí? E…
-Porra, para de repetir esta merda! Parece vitrola enguiçada. Eu não sou surdo. Estou pensando aqui no que vamos fazer. Pelo mapa, deve estar perto, cara.
-Ah, não. Meu Deus… Querido papai do céu! Não deixa este deficiente mental resolver sair no meio do matagal para procurar a sede do parque! – Disse Edson juntando as mãos e olhando para o céu fingindo rezar.
-É a única coisa que podemos fazer, Ed. Ou é isso ou vamos ter que passar a noite aqui, em plena floresta. – Disse Michael, pegando a escopeta.
-Pelo menos estamos seguros no trailer, cara.
-Seguros o caralho! Se esses bichos estiverem lá fora, não tarda vão cercar a gente aqui. E uma vez cercados, não teremos como fugir. Eles vão começar a gritar daquele jeito e virão em cada vez maior numero. – Disse Michael, mexendo na mochila.
-O que você está fazendo?
-Pegando água, umas frutas e barras de cereal. – Respondeu Michael.
-Porra cara. Que merda. Tu tá falando sério mesmo, né?
-É o único jeito. Pelos meus cálculos estamos a uns 800 metros, talvez um quilômetro e meio da sede do parque. Toma, pega a lanterna. – Disse Michael para Ed, lançando-lhe a lanterna de xenon.
-Calma aí. Eu concordei com esta ideia maluca de ir me esconder nas montanhas até que a zumbizada morra de vez. Mas como vamos fazer com o porrilhão de comida aí atrás?
-Uma coisa de cada vez! Cara, vamos salvar nossa pele. Amanhã, com luz, a gente monta um plano e volta aqui com cuidado. Certamente que na administração do parque, eles tem os barcos que meu pai usava para pescar no lago… Certamente tem combustível lá no galpão dos barcos. Vem. Qual você vai querer? A HK , o M16 ou o FN 2000?
-Me dá o FN, que o M16 me dá bolha aqui, ó. Esquenta pra caralho na coronha. Tá carregado?
-Tá tudo carregado.
-Ok. Calmaí que eu vou pegar o sobretudo.
-Porra… Lá vai ele.
-Que foi, cara?
-Tu não vai na boate não, Ed. Vamos sair no mato, cara.
-Meu, olha só. O sobretudo é preto, a roupa é toda preta. O que eu não quero é que os zumbis lá fora me vejam.
-Tá bom, bota logo essa merda aí e vamos. Quanto mais a gente demora, mais vulneráveis vamos ficando.

-Bora! No três. É um… É dois…
-Três! – Gritou Michael. Os dos homens saltaram do trailer e saíram correndo pela floresta.
-Me segue. – Falou Michael com a voz rouca.
Os dois iam iluminando o caminho com as poderosas lanternas militares.
Subitamente Michael fez um movimento com a mão fechada. Ed. Parou e ficou ao lado dele, apontando a lanterna e a arma para a floresta ao redor deles.
-Que foi? Viu alguma coisa?
-Não, nada. Estamos na trilha. Olha… Passou um carro aqui recentemente. Veja as marcas na lama… Estão bem nítidas.
-Bora baixinho?
-Baixinho é a puta que te pariu!
-Vamos, não querio ficar dando mole pro azar aqui no meio do mato.
-Por aqui. Vem. – Disse Michael, correndo com a arma em punho e a lanterna apontada no chão.
-Ei… Calmaí. – Sussurrou Ed.
-Hã?
-Eu vi alguma coisa.
-O que? O que foi? – Disse Michael, apontando a lanterna para a floresta.
-Onde?
-Ali… – Disse Ed, apontando o facho numa área específica.
-Você viu?
-Parecia uma pessoa. Estava atrás da árvore, olhando pra nós. Eu apontei a lanterna e ela se escondeu.
-O que a gente faz? Gritamos?
-Shhhh! E se for um zumbi?
-Porra, acho que se fosse um zumbi, já teria vindo pra cima da gente.
-Você acha que ainda está lá.
-Eu acho que está abaixado ali atrás daquela moita. Perto daquele tronco.
-Vamos lá. Vem, me dá cobertura. – Sussurrou Michael.

Os dois homens saíram da trilha com as armas apontadas na direção do mato.
-Michael… – Sussurrou Ed.
-Que?
-Sua ideia de trazer a escopeta foi estúpida hein?
-Porra, não tira minha concentração, Ed. Se não tem nada melhor pra falar fica quieto, caralho.
-Tanta arma melhor no trailer, vai pegar logo esta porra ruim pra caralho pra recarregar. Tsc, Tsc…
-Cala o caralho da sua boca, faz favor!
-Shhhh! Ok, ok!
Os dois avançaram pela lateral da trilha, se aproximando cada vez mais da árvore. As lanternas apontadas no tronco.
-Olha, tem mesmo alguma coisa ali. -Apontou Ed.
Os dois deram mais dois passos.
Subitamente uma cabeça levantou do meio da moita.
-Ahhhh! – Ed Levou um susto.
-Puta que pariu!
Era a cabeça de um pequeno veado da floresta. Ele ficou ali por dois segundos, olhando na direção da lanterna, o que dava a ele um aspecto fantasmagórico com a luz refletida nos olhos do animal.
O veado saltou para a escuridão e os dois ouviram o animal se metendo no mato ao longe.
-Nossa. Achei que meu coração ia parar.
-Hahaha. Cara, que foda. Por um instante achei que pudesse ser um zumbi. O Veado nunca passou tão operto de virar purê. Vem, vamos voltar para a trilha.

Os dois retornaram para a trilha. Continuaram a seguir os rastros dos pneus.
Quase uma hora depois, quando eles finalmente chegaram à administração do parque, viram os carros estacionados.
-Ed, olha só isso.
-As marcas eram desse aí. O outro está com os pneus carecas.
-É uma lata velha. – Disse Michael, apontando a lanterna na direção do carro de Don e Shirley.
-Michael, eu acho que essas pessoas estão por aqui, cara…
-Onde? – Perguntou o baixinho, apontando a escopeta para os arredores.
-Eu ouvi algo vindo dali. – Apontou Ed.
-Ah, deve ser outro bicho. Aqui está cheio de bicho, cara. Vem, vamos pela margem do lago. Se não me engano, a cabana central é por ali.
Os dois avançaram pela estradinha de paralelepípedo, em direção a construção. Era uma cabana enorme, de madeira em estilo chalé.
-É aqui, Ed. – Disse Michael, iluminando a placa da administração.
-Hummm. Maneiro.
-Acho que podemos passar a noite aqui. Será que está trancada? Me dá cobertura.
-Ok.
Os dois subiram o pequeno lance de escadas que dava na varanda de madeira que circundava a administração.
- Puta merda. Trancada. E agora? O que a gente faz? – Disse Ed.
-E se a gente atirar na fechadura? Talvez abra. – Questionou Michael.
-Não… Vai atrair a atenção… Deve ter zumbi por aqui, cara. Tu viu os carros lá fora… – Ed estava preocupado com o barulho no mato.
-Eu vi. Mas e agora? – Michael ficou pensativo.
-Cara… Não olhe agora, mas ou o veado gostou da gente, ou tem mesmo alguma coisa dando a volta na cabana. Eu vi o movimento do mato.
-Já sei. Tinha antigamente uma barraca de madeira aqui perto, fica na beira do lago, perto da oficina dos barcos. Lá eles guardam as ferramentas. Deve ter um pé de cabra, uma coisa assim lá.
-Ok… Vamos, mas vamos com cuidado. Não estou gostando dessa sensação.

Os dois saíram da sede da administração e foram pela estradinha lateral, que levava até o lago.
Minutos depois, chegavam na cabana de ferramentas.
-Olha Michael. – Sussurrou Ed. Enquanto apontava com a lanterna.- A cabana está trancada com corrente.
-Tô vendo…
Subitamente, a porta foi esmurrada. Os dois homens levaram um susto.
-Socorro!
-Quem está aí? – Gritou Michael.
-Tira a gente daqui. Socorro!
-Cara é uma voz de mulher. – Sussurrou Ed.
-Vocês estão presos aí dentro?
-Sim, dois malucos prenderam a gente aqui. Cuidado, eles estão armados.
-Porra, Michael, então deve ser eles que eu vi no mato, cara.
-Calma, Ed. Calma, cara. Temos que soltar esses caras.
-Quantas pessoas tem aí dentro, senhora?
-Meu nome é Shirley. Só estamos eu e meu marido.
-Senhora, eu vou ter que arrombar. Afaste-se para o fundo da barraca com o seu marido, ok?
-Tá, tá bom! Vem, Don. – Disse Shirley.
-Senhora?
-Sim moço. Pode falar.
-Fica bem longe da porta. Eu vou ter que atirar, ok?
-Tudo bem.
Michael pegou a escopeta e apontou na direção da corrente.
-Ok, vai ser no três. Um… Dois….

Michael disparou um tiro. O som do tiro ecoou ao longe. A corrente que prendia a porta da barracão caiu.
Edson abriu a porta e apontou a lanterna lá pra dentro.
No canto da parede, abatidos, fracos e com uma expressão de sofrimento estava Don e Shirley.
Os dois homens entraram no barracão de ferramentas. Ajoelharam-se perto dos dois que estavam junto À parede.
-Vocês estão bem?
-Água. Água! – Gemeu Don.
Michael abriu a mochila e ofereceu uma garrafa de água para o homem, que mamou com vontade no gargalo da garrafa.
Shirley bebeu água e comeu uma maçã.
-Muito obrigado, moço. Muito obrigado. – Ela dizia entre dentadas famintas na fruta.
-Quem fez isso com vocês? – Perguntou Ed.
-Tem um casal… Um casal de doidos, cara. Eles vieram aqui, bateram na gente… O cara tentou estuprar minha mulher, véio. – Disse Don, entre goles de água.
-O que?
-É ou não é, Shi?
-É verdade. Eles são loucos. Pegaram nosso rifle, prenderam a gente aqui dentro e fugiram.
-Vocês foram mordidos? Vocês estão feridos?
-Não, não. Estamos bem. Eu… lutei com eles. Veja, eles dispararam aqui. Olha o buraco no chão. Então deram o fora e prenderam a gente.
-Eles não devem ter ido longe, porque tem dois carros lá fora. – Disse Michael, apontando para trás com o polegar.
-Tem zumbi por aqui?
-Não. Tá tudo tranquilo por estas bandas. – Respondeu Don, secando a última gota de água na garrafa.
-Meu Deus, Don, olha só este trabuco! – Disse Shirley, apontando a arma na mão de Ed.
-Sim, senhora. É uma FN 2000, bullpup.
-E vocês? Quem são? – Perguntou Don.
-Nós somos sobreviventes. Estamos vindo de Oklahoma… – Respondeu Ed.
-Ah… Nós somos de Madison.
-Não conheço.
-Fica a umas duas horas daqui, pelo leste. Pega a interestate e vai pra lá. – Disse Don, apontando.
-E como estão as coisas por lá? – Questionou Michael.
-Acabou tudo. Os bichos comeram todo mundo. Algumas pessoas conseguiram fugir. Estamos na estrada tem uma semana e meia. A gente tem acampado. Então viemos para o parque, porque aqui parecia mais seguro que nas cidades.
-As cidades viraram um inferno, senhor…
-Don. Muito prazer. Esta é Shirley.
-Prazer Senhora. Eu sou o Michael e este aqui é o Edson.
-Olá. – Disse Shirley, apertando a mãos dos dois.
-E Oklahoma?
-Toda tomada também. As pessoas se refugiaram como puderam, mas gradualmente os refúgios foram caindo um a um. Tentaram de tudo, barricada de fogo… Dinamite, nada deu jeito. Nós dois trabalhávamos numa loja de armas. Metemos a mão no estoque, roubamos um trailer e demos no pé.
-O futuro agora é incerto. – Disse Shirley, comendo o último pedaço da maçã.
-Futuro, Senhora? Não existe mais futuro. – Ed riu.
-Só há o presente. E nada mais. – Completou Michael.
-A comida… Vai chegar uma hora que irá acabar. Os sobreviventes ainda estão pilhando os mercados, lojas, etc. Mas muita coisa já não tem mais. – Disse Don. E em seguida completou: – Vai chegar uma hora em que estaremos como os homens das cavernas. Lutando para poder comer.
-…E para não ser comido. – Completou Michael.
Todos riram. Um riso nervoso, meio sem graça.
-Então é por isso que vocês vieram pra cá.
-Aqui poderemos caçar. Há água limpa, e em abundância, peixes, aves… Um ser humano pode passar o resto da vida aqui, vivendo da caça e pesca.
-Mas parece que as outras pessoas também pensaram nisso. Hein?
-Você se refere aos desgraçados, né?
-Sim. Como eles eram?
-São um casal. Eles não tem muita idade. Parecem meio birutas. O cara vestia uma roupa estranha, toda branca.
-Toda branca? – Michael se assustou.
-Sim… Tipo de um macacão branco. Até os coturnos eram brancos. Um cara estranho.
Michael e Ed se entreolharam assustados. Don notou a expressão no rosto deles.
-Que foi?
-Os caras de branco… Eles matam geral.
-Hã? O que?
-Você nunca viu?
-Não, não sei do que vocês estão falando. – Disse Don.
-Os caras de branco surgem do nada. Eles vem com caminhões enormes, também brancos. E de helicóptero. Eles descem e pegam as pessoas. Levam ara os caminhões e vão embora. Os sobreviventes das cidades tem mais medo deles do que dos zumbis.
-Dizem que eles matam os velhos e os doentes. – Comentou Ed.
Shirley estava perplexa de ouvir aquilo.
-Eles fugiram…- Ela disse. -…E trancaram a gente aqui. Eles não devem estar muito longe. Mas o perigo é…
-Eles chamarem os outros. – Previu Michael.
-Exatamente! Eles vão avisar os outros e em pouco tempo, este lugar vai encher de homens de branco, e então a gente vai ó… – Disse Ed, batendo com a palma da mão aberta sobre a outra mão fechada.
-Eles não estão muito longe, porque a moça que estava com ele veio aqui hoje à tarde. Ela veio sozinha. Ela chegou aqui perto, nós vimos pela greta da soleira da porta. E então ela voltou correndo. Não é amor? – Perguntou Don para a Shirley.
-É verdade! A Vadia veio até aqui. Acho que para conferir se a gente estava vivo ainda. – Disse Shirley com ódio.
-Porra, impressionante. O mundo acabando e os humanos se sacaneando. – Comentou Michael para Ed, que apenas acenou positivamente com a cabeça.
-Nós temos que achar esses caras. – Disse Michael.
-Nós vamos achar. E não vai sobrar sobreviventes! – Disse Ed segurando ostensivamente o FN 2000. EM seguida, Michael virou-se para Don e perguntou:
-O senhor sabe usar uma arma deste tipo?
Don sorriu para o estranho: – Claro meu chapa!



Longe dali, no sopé da montanha, em plena escuridão da madrugada, Alice acordou assustada. Levou algum tempo para entender onde ela estava. O ruído alto das batidas atraiu sua atenção. Quando ela finalmente recobrou os sentidos, viu que a porta da cabana estava sendo atingida violentamente. Ela ouviu um gemido gutural do lado de fora.
“Ah, não! David voltou!”


No início, tudo estava muito confuso. Parecia um sonho. As coisas não faziam muito sentido. Olhar para uma árvore ou uma pedra, era a mesma coisa. Mas gradualmente, ele começou a se lembrar.
Ele ainda não sabia o que fazia ali, esmurrando a porta. Sentia-se tonto e a dor nas juntas era absurda. Lentamente, começou a reconhecer aquele lugar. Era a cabana…

Olhou em volta, mas estava tudo muito escuro. Sentou-se no pequeno platô de madeira que dava a volta na cabana. Olhou para o céu e viu milhares de estrelas. Ainda não lembrava de quase nada. Percebeu que estava nu e que sentia muito frio. O vento da noite soprava forte, sacudindo as folhas das árvores ao redor da cabana. O corpo estava doendo muito. Suas memórias eram embaçadas. Fragmentadas e confusas.

Lembrou-se de um caminhão, tiros, de um zumbi velho vindo pra cima dele… De levar sopapos, lembrou do vinho, da garrafa, do rótulo, e pegar na mão de uma mulher. Mas não lembrava o rosto dela. Lembrou de fugir de um cachorro enorme, de pular no mar. Lembrou do esgoto e do cheiro quente e fétido. Lembrou do rio, da cachoeira, do turbilhão de água… Lembrou de lobos e de esmagar a cabeça de alguém com um cano de ferro.

Mas não sabia quem ele era, ou o que estava fazendo ali daquele jeito. Sentiu vontade de vomitar. Seu estômago doía terrivelmente.Vomitou e não saiu nada. Seu estômago contraía em espasmos dolorosos, seus olhos ardiam. Saiu uma gosma branca.


Talvez ele morasse ali, naquela cabana. Não se lembrava direito das coisas. Não sabia como chegou até ali, nem porque estava batendo com a cabeça na porta.

Passou a mão na testa e sentiu que o cabelo estava empapado, molhado. A testa estava melada e ardendo. Sua testa estava cortada e um filete de sangue escorria dela.  Sentia que estava ali, mas que ao mesmo tempo, não estava. Era uma sensação estranha de quem poderia acordar a qualquer  momento. Não fosse pela dor, constante, a lhe torturar os ossos, teria duvidas se estava sonhando ou não.

Tentou falar, mas no conseguiu.

Aquilo lhe pareceu super estranho. Conseguia pensar, mas não articulava palavras. Fez um esforço para pedir socorro. Não saiu nada. Alguma coisa parecia embolada na cabeça dele.

“Bati a cabeça.” – Pensou, segurando o pescoço com as mãos. “Tenho que tentar de novo”.

Respirou fundo. O ar queimou em seus pulmões. Sentiu a tontura novamente e a vontade de vomitar voltou mais forte. Segurou o ar e tentou gritar.

-Uuuuuaaaaaaanhggggr. – Berrou, finalmente rompendo o silêncio da noite.

No interior da cabana, sob a mesa, encolhida sob as cobertas estava Alice. Ela tinha os olhos arregalados de medo. O grito que acabara de ouvir tinha sido pavoroso.  Diferente dos gemidos e grunhidos. Ela já estava nutrindo esperanças de que David tivesse ido embora. Estava tudo em silêncio fazia poucos minutos. E então surgiu o grito. E em seguida, o silêncio.

Ela sabia que o zumbi estava com fome. Certamente que estava cercando a cabana. Tentando uma forma de entrar.  Alice pensou que talvez o morto estivesse sentindo o cheiro dela. Alice estava tremendo. Torceu para que a noite passasse logo e que a luz do dia iluminasse os arredores.



-Vamos dormir por aqui? – Perguntou Michael.

-Não, eu não aguento ficar neste lugar. Vou dormir no carro.Vem, Shi.

-Não é seguro. – Interrompeu Ed. E continuou: – Temos que ficar juntos. Separados ficamos em maior risco.

-Eu não aguento mais este lugar. Tenho que sair daqui! – Gemeu Shirley.

-Olha, podemos voltar lá no prédio da administração, mas estivemos lá e estava trancado. Vamos precisar de um pé de cabra, algo assim.- Disse Michael.

-Pé de cabra? Pra que? Mete logo um tiro desta porra aí. – Disse Ron apontando a escopeta de Michael.

-Ok, então vamos. Vamos nessa. – Disse Ed.

Os quatro rumaram de volta pela estrada escura até a enorme construção.

-Veja. A porta tá trancada.- Disse Ed.

-  Sai. Chega pra trás. – Falou Michael, recarregando a escopeta.

Eles se afastaram e Michael disparou na fechadura, estourando um buraco de dez centímetros na porta.

-Porra, errei.

-Mira este caralho direito, cara!

-Ok, lá vai. – Disse Michael, puxando o gatilho. A arma disparou e dessa vez a fechadura estourou. Michael meteu o pé na porta e ela abriu numa pancada.

-Uhuuu! – Gritou Shirley feliz.

-Peraí dona. Vai com calma. Temos que ver primeiro se a barra está limpa.- Disse Ed.

Os dois entraram com as lanternas. Iluminaram o saguão. Havia um sofá rústico de madeira e couro, uma mesa de centro, repleta de folhetos, mapas, jornais, e revistas antigas. No canto da parede, uma maquina de refrigerante e outra de snacks.

Havia um balcão alto, que separava a parte de acesso do público da parte administrativa.

Michael e Edson iam iluminando o interior cuidadosamente. No fundo da parte administrativa havia uma escada em caracol, que conduzia a um mezanino. Nas paredes, placas indicavam banheiros e cozinha. Havia também um enorme mapa na parede, mostrando a área total do parque, com tachinhas coloridas em algumas partes.

Numa das mesas da parte administrativa estava um radio amador, dois computadores antiquados, armários, um ventilador precário e caixas de arquivo.

-Eu vou dar uma olhada lá em cima. – Disse Ed, subindo pelas escadas.

-Tá limpo. Podem entrar. – Disse Michael, se virando para Don e Shirley.

Todos entraram na sede do parque.

-Don, me ajuda aqui a puxar este armário para travar a porta.  – Falou Michael, apontando um enorme arquivo.

Shirley abriu a passagem do balcão e Don ajudou Michael a arrastar o armário de aço.

-Porra que peso! – Reclamou Don.

-Força, brother!

Após alguns minutos, eles colocavam o armário segurando a porta com a fechadura explodida.

-Será que estamos seguros aqui? – Perguntou Shirley.

-Não há perigo. Se houvesse algum zumbi nas redondezas, ele teria vindo direto pra cá quando escutou o primeiro tiro, lá no barracão de ferramentas. – Disse Don.

-É verdade, senhora. Eles não tem consciência nenhuma do perigo. Não tem instinto de sobrevivência.

-Ei, olha só o que eu achei aqui! – Gritou Ed do alto do mezanino. Ele segurava um lampião a gás nas mãos.

-Estamos indo aí. – Disse Don.

Todos subiram para o mezanino, onde era uma espécie de quartinho do vigia. Estava bem bagunçado, mas contava com algumas coisas interessantes. Na parede, havia um suporte com uma série de rifles de caça. Uma Tv empoeirada sobre uma pequena cômoda antiga, redes de pesca, um frigobar cheio de coisas mofadas dentro e uma cama de casal. Uma portinha lateral levava a um pequeno banheiro, que se resumia a uma pia e um vaso sanitário. Havia também um violão, com algumas cordas arrebentadas.

-Olha Don. Uma cama! – Disse Shirley, animada.

-Porra quanto tempo não durmo numa cama.

-Ei, Ed, vamos dormir lá em baixo, no sofá. Vamos deixar o casal aqui na suíte. – Disse Michael rindo.

Os dois foram para a parte de baixo e se acomodaram no sofá.

-Boa noite. – Gritou Ed.

-Boa noite! – Respondeu o casal.



A madrugada se aproximava do fim no sopé da montanha. David ainda estava sentado no lado de fora da cabana. tentava se lembrar das coisas. Mas ainda estava muito confuso e não sabia que lugar era aquele. Suas lembranças estavam embaralhadas e a sensação de tempo gravemente afetada. A dor pelo corpo todo ainda era horrível. Mas ele percebeu que se ficasse completamente parado, a dor diminuía a níveis toleráveis.

O céu negro deu lugar a um azulado pálido, que gradualmente se tornou lilás e lentamente alaranjou. O vento ficou mais fraco.Os pássaros retomaram a algazarra costumeira.

David se assustou quando ouviu a porta da cabana estalar atrás dele.

Lentamente levantou-se, sentindo tudo doer.

Quando Alice abriu a porta, soltou um grito de pavor. O Zumbi ainda estava ali, parado na varanda olhando pra ela com aquele olhar vazio e perdido.

-Oh, meu Deus! Não! – Gritou e bateu a porta.

David agora tinha visto o rosto dela. Era um rosto familiar… Um sentimento estranho. Lembrou de ter acertado os lobos com um pau, e dela se arrastando pelo chão. Vários flashes de memória surgiram em sua mente. Lembrou-se dela no que parecia ser um caixa, olhando para ele e rindo com uma arma na mão. Lembrou dela correndo com uma multidão de zumbis atrás.

David não lembrava o nome dela. E nem sabia o que ela estava fazendo ali, naquele lugar com ele. Então ele avançou lentamente até a porta e bateu.

Lá dentro, recolhida sob a mesa, estava Alice.

“Ah, meu Deus! Por que eu fui perder o revolver na cachoeira?” – Pensava.

David tentou falar novamente, chamar aquela mulher. Mas só saiu um ruído grosso. Alguma coisa afetava sua capacidade de fala.

Gradualmente ele conseguia entender melhor o que estava se passando, mas algumas coisas ainda não pareciam fazer sentido. Ela estava claramente com medo dele…

“…Mas por que?”

David parou e olhou para seu corpo. Agora, sob a luz do sol, ele podia ver que estava todo machucado. Veias escurecidas espalhavam-se pelos seus braços. Tinha sangue coagulado espalhado pelo peito. Sentia muito frio, e uma tonteira constante. Seu pulmão ardia para respirar, e as coisas pareciam meio embaçadas.

Lembrou-se das criaturas que perseguiam a mulher. Lembrou-se do velho decrépito que avançava na direção dele. Lembrou-se do garoto cravando os dentes na perna dele enquanto era esmagado contra uma parede de tijolos.

“…Eu …virei… um… zumbi.” – Concluiu.  E tudo começou a fazer sentido.

Agora ele entendia a tontura, não saber onde estava, passar mal, suar frio, a dor constante a lhe torturar, a cabeça explodindo, a confusão mental… O medo da mulher quando o viu.  A impossibilidade de falar.

Queria pedir socorro. Mas não sabia como. Tentou falar e só saiu um gemido.

“…Estou …trancado por dentro.” – Pensou.

David pensou em voltar para a floresta, ir embora. Deixar a mulher para trás. Desceu da varanda da cabana e andou na direção da mata.

Teve um súbito impulso de olhar para trás. E viu na janela da cabana a mulher olhando pra ele. Ela parecia chorar. David sentiu pena dela.

Virou-se e acenou na forma de um adeus.  Em seguida cambaleou de volta para o mato.



Quando Alice viu o zumbi virar-se e dar adeus ela percebeu que havia algo errado. Zumbis não pensam. Zumbis não dão adeus. Zumbis não desistem de comer. Ela correu para a porta saltou para o lado de fora.

-David! – Gritou.

O zumbi que avançava lentamente para a floresta estancou. Em seguida, virou-se, com o rosto sujo de sangue, sem expressão.

-David… É você? – Alice estava trêmula. Ela gritava da porta, pronta para trancar-se novamente na segurança da cabana do caçador caso o zumbi corresse para cima dela. Mas não foi isso que ele fez.  Ele apenas se virou e ficou olhando pra ela, no meio do mato.

O zumbi apenas balançou a cabeça lentamente, na forma de um “Sim”.

-Vem cá. – Disse Alice, morrendo de medo de estar cometendo a maior burrice da sua vida.

O zumbi pareceu hesitar. Parecia confuso.

-David… David, olha pra mim, vem aqui. Vem, ó. – Gritou Alice, apontando para o gramado na frente da cabana.

David andou lentamente, de volta a cabana. Não sentia medo, temor ou felicidade. Apenas olhava a mulher e sentia alguma coisa que não sabia descrever, e não poderia, mesmo que fosse capaz.

Ele parou onde ela mandou. E ficou olhando pra ela.

-Oh, meu Deus… David. O que aconteceu com você? – Ela estava chorando.

David não conseguia falar, então apenas olhava pra ela. Tentou fazer sinal. Apontou para o pescoço e emitou um grunhido baixo.

-Você não consegue falar?

Ele fez que não com a cabeça. Tudo doía, então ele limitava-se a mover-se o menos possível. A tontura era grande e ele achou que ia desmaiar.

-Ai, caramba,m o que eu faço agora? – Alice pensou alto.

David sentia muita fome então levou os dedos até a boca. E apontou para a barriga.

-Que? Tá com fome?

Ele moveu a cabeça positivamente.

-Espera. Fica aí. Não sai daí que eu já volto. – Disse ela.

Alice bateu a porta da cabana.

David ficou ali, parado, como uma estátua.

Quando a porta tornou a abrir, Alice apareceu com um prato na mão, cheio de salsichas.

-Calma… calma… – Ela dizia, toda trêmula, com medo. Segurava o prato com as duas mãos e lentamente desceu as escadas da cabana. Colocou o prato de salsichas no gramado e voltou para a varanda da cabana.

David avançou alguns passos até o prato de salsichas. Abaixou-se e comeu uma.

Aquilo não tinha gosto. Estava frio, mas ele se esforçou. Engoliu as salsichas. Enfiou logo quatro na boca e começou a mastigar. Alice estava horrorizada olhando para ele, comendo como um animal. Aquele já não era mais o David que ela conhecia.

“Ah, caceta… Eu vou fazer a coisa mais estúpida do mundo”. – Pensou ela.

Alice desceu e foi até onde David estava. Ele comia as salsichas com vontade.

“Seja o que Deus quiser” – Pensou ela.

Quando se deu conta de que ela estava ao lado dele. David levantou-se. Estava com a boca cheia de salsicha.

Mas ele ficou parado, olhando para ela.

-Você sabe quem eu sou? – Ela perguntou tremendo. A voz embargando de medo. Alice suava frio.

O zumbi acenou positivamente com a cabeça. Então estendeu o prato vazio para ela. Alice lentamente pegou o prato. Tremia feito vara verde.

-Você não parece nada bem, David… – Ela disse

David acenou positivamente com a cabeça.

Contendo seus mais básicos instintos, Alice estendeu a mão.

-Vem, você precisa de um banho.  – Ela disse.

David lentamente pegou na mão dela, com cuidado e delicadeza. Quando Alice sentiu o toque da mão fria de David, pensou que fosse fazer xixi na calça.

“Ah, não… Estou de mãos dadas com um zumbi. Eu sou uma louca.”

Tentou não demonstrar a ele seu medo e desconfiança. Falou firme:

-Vem, David. Vamos até o Rio! – Disse. Alice foi puxando David, que andava precariamente. Os dois andaram pela floresta até o rio. Enquanto andavam, Alice pensava que aquela era a situação mais bizarra que havia passado em toda sua vida.

Quado chegaram ao rio, David estancou subitamente. Aquilo assustou Alice. Ele olhava as pedras.

David lembrava-se em flashes, de ter caído no Rio, batido a cabeça numa pedra.

-Calma, calma! Está tudo bem. É só o rio. Vem, David. Eu cuido de você.  – Ela disse.

David obedeceu e foi com ela até a margem. Alice começou a puxar David para uma pequena piscina, formada por um remanso do rio perto das pedras maiores. David estava na água até a cintura. A água era fria.

Alice estava imersa na água com ele, segurando David pelo braço. Começou a jogar água nele. Limpou o sangue escorrido de sua testa.Enquanto lavava o corpo de David, Alice pensava na situação.

“Puta merda, dar banho em zumbi. Tá aí  uma coisa que eu nunca pensei na minha vida.”

Alguns minutos depois, Alice já tinha lavado David e ele já parecia mais apresentável.

-Ah, bem melhor, né David?

O zumbi assentiu com a cabeça.Subitamente ele fez uma expressão estranha.

-Que? Que foi?

David começou a vomitar as salsichas.

-Calma. Calma… Já vai passar. Isso, bota pra fora, David. – Alice segurava a cabeça dele enquanto o zumbi vomitava.

-A salsicha não caiu nada bem, né David?

O morto agora olhava para ela com a expressão vazia. Alice limpou o resto de salsicha e gosma que escorria do canto da boca dele. Lavou na água do rio.

-Agora vamos, que suas roupas estão lá na cabana. – Disse ela, puxando David como se fosse uma criança.

Os dois voltaram pela floresta.

Estavam ainda na mata, indo para a cabana quando David estancou.

-Hã? Que foi?

O zumbi estava parado como uma estátua. Duro como uma rocha.

-David? David? O que foi? – Alice olhava nos olhos sem vida do Zumbi.

David então apontou lentamente para uma direção.

-Quer ir por ali?

Ele acenou positivamente.E começou a caminhar sozinho, com os passos estranhos como os de quem tem artrite reumatóide em alto grau.

Alice e David caminharam por entre os arbustos quando ele parou e segurou forte Alice pelo braço. A moça gelou. Ali ela teve medo que ele se virasse e a mordesse. Quase deu um grito.

Mas David colocou o dedo na frente da boca como quem diz ” Silêncio”. E  apontou para o mato distante. E então, ele abaixou-se no meio dos arbustos, puxando ela para baixo.

Alice abaixou-se e viu por entre as plantas que Don estava na entrada da cabana, segurando um fuzil.

-E aí? – Gritou ele.

De dentro da cabana saiu Shirley. Ela tinha dois revólveres. Um em cada mão.

-Nem sinal deles.

-As roupas do homem de branco estão aqui. – Surgiu um homem baixinho, desconhecido pra ela até aquele momento. Ele segurava o macacão do ponto zero.

-Ei, pessoal, tem carcaças de lobo aqui no chão! – Gritou um outro cara, alto, que vestia um sobretudo preto e tinha  uma arma enorme na mão.

-Olha, tem sangue aqui na porta. – Disse Shirley, vendo as marcas de David na porta.

-Eles devem estar feridos. Não podem estar longe. – Disse o Baixinho.

Alice e David estavam no meio do mato, lado a lado. Ela sentindo o corpo gélido de David ao seu lado. Ele parecia meio alheio a aquilo tudo. Ela tremia de frio e de medo. Não sabia quem eram aqueles caras. E não entendia porque todos estavam armados vasculhando a cabana.

-Uma arma! – Apontou o cara do sobretudo. Don veio até onde ele estava.

-É meu rifle. Eles gastaram todas as balas. Provavelmente para matar os lobos…

-Mas este aqui está com a cabeça esmagada. Não foi de tiro – Disse o baixinho examinando a carcaça na trilha que levava à cabana.

-Eles devem estar feridos… – Disse Shirley. E completou: – …Ou o sangue é dos lobos.

-Ei… Olha lá. Estão vendo alguma coisa no mato? – Disse o homem do sobretudo com a arma enorme na mão.

Todos se viraram para onde Alice e David estavam. As pessoas estavam apontando as armas na direção deles.

“Puta que pariu. Isso vai dar merda!” Alice pensou. Os dois ficaram, ali, parados, no meio da moita.

O homem da arma enorme veio pelo mato, andando na direção deles. A arma em punho, apontada para eles…


-Fica aí. – Alice sussurrou no ouvido de David.
Ela soltou a mão dele e levantou depressa, em meio aos arbustos.
-Cala, calma! Não atira! – Alice agitava os braços, nervosa. E já saiu andando pela lateral, passando atrás das árvores, ganhando distância do arbusto atrás do qual David Carlyle estava escondido.
David não teve reação. Apenas observava o desenrolar dos fatos. Não sabia quem eram aquelas pessoas, ou o que estavam, fazendo ali. Tudo parecia estranhamente lento, como se ele estivesse bêbado, ou dopado.

-Ora, ora… – Disse o homem alto de sobretudo.
-Aí está a vadia! – Gritou Don.
-Traz ela pra cá. – Berrou Michael.

O homem apontou aquela arma enorme pra ela. Alice obedeceu de imediato, sem pestanejar. Foi até a cabana.
Sentada no alpendre estava Shirley. Ela levantou-se e olhou bem dentro dos olhos de Alice.
-Tá fudida, sua vaca!
Enquanto isso, Edson se aproximou de Michael.
-Porra… Que gostosa, hein?
-Benza Deus!
Don veio correndo.
-Cadê ele? Cadê o cara?
Alice não respondeu. Olhava para ele com expressão de nojo.
-Parece que ela não vai falar.- Disse Michael.
Edson agarrou a moça pelo braço. Ele apertava forte.
-Escutou o que eu perguntei, sua puta? Cadê a porra do caraaaaa? – Don gritou na orelha dela.
Alice puxou um escarro do fundo do peito e cuspiu no rosto de Don. A gosma verde ficou pendurada no nariz dele. Don ficou sem ação.
Edson começou a rir incontrolavelmente.
Don limpou o cuspe da cara com o braço e passou na camisa. Ed não parava de rir e aquilo contagiou Michael.
Aquilo gerou uma reação de raiva primal em Don. Ele deu um soco na cara de Alice, que caiu estatelada no chão.
-Vadia filha da puta!
Os dois homens correram para segurar Don, mas não chegaram a tempo de conter o chute que ele deu no estômago dela.
-Owowowowowow! Calma cara.
-Segura a onda aí rapá!

Don estava ensandecido.
-Fala sua vaca! Fala cadê ele??
Da moita, David assistia aquilo tudo. Ele tinha vontade de reagir, mas sabia que se levantasse levaria bala. Além disso, as coisas passavam na frente dele como nuvens que se perdiam num turbilhão confuso de sensações e memórias fragmentadas. A dor era muito forte. Subia pelas suas costas e a cabeça parecia que ia estourar.
Alice gemia de dor, se contorcendo no chão.

-Deixa eu dar uma porrada nela, deixa? Don, deixa eu meter um tapa nela? Só um tapinha? – Veio correndo Shirley com as duas pistolas na mão.

Ed e Michael se entreolharam como quem diz: “Essa aí é biruta”.
-Sai! Não enche! – Don empurrou Shirley.
-Porra Don. Não me trata assim!

-Calma! Calma todo mundo! – Disse Ed, entrado na frente de Don. Ele estendeu a mão e levantou Alice, que estava toda suja de poeira e sua boca sangrava.
-Você tá bem? Tá tudo bem? – Ele perguntou a ela. Alice apenas acenou positivamente com a cabeça. E depois cuspiu sangue no chão.

-Moça, a senhora estava com o homem de branco. Cadê ele? – Perguntou Michael.
Alice ficou quieta. Conteve seu impulso de olhar para a mata.
-Não vai falar? O gato comeu sua língua?
-Mete a porrada nela que ela fala, Don! – Gritou Shirley da varanda da cabana.
-Cala sua boca aí, caralho! – Berrou ele de volta. Shirley baixou a cabeça como uma criança repreendida.
-…Não. – Alice finalmente rompeu o silêncio. – Ele está… morto.

Don começou a rir.
- Que? Que foi? – Perguntou Edson.
-Lógico que ela está inventando. Como que o cara ia morrer? Aqui nem tem zumbi!
-E então, moça? Como que foi? – Perguntou Michael, recarregando a escopeta ostensivamente, com um estalo assustador.
-…Ele… Foi atacado. Pelos lobos. – Ela disse, apontando as carcaças no chão da trilha.
-Mas os lobos estão mortos. – Disse Ed.
-Claro que estão. Eu matei alguns. Ele matou outros, mas eram muitos. A arma ficou sem balas. Ele ficou e lutou para me proteger. Eu corri e me tranquei na cabana.
-Esse sangue aqui é seu?
-É sim. Veja. – Ela disse mostrando a jaqueta de couro com marcas de mordida, com sangue e rasgados.
-É mentira. – Disse Don.
-Hã? – Michael virou-se para ele.
-Eu disse que é mentira.
-Como você sabe, Don?
-Porque não tem corpo. E o chão tem pouco sangue. O chão estaria lavado de sangue, se isso fosse verdade. Cadê o defunto? Os lobos não iam comer ele todo. Ia sobrar alguma coisa. Olhem em volta… É claro que essa vaquinha está mentindo.
-Você tá mentindo, moça? – Perguntou Ed, apertando o braço dela.
-Vamos meter a porrada nela! Eu já disse. Esses viados só vão falar na base da porrada! – Gritou Shirley.
-Vai tomar no cu, sua vaca! – Alice gritou para Shirley, mostrando-lhe o dedo do meio.
-Eu te mato sua desgraçada! – Shirley berrou de volta, apontando uma pistola pra ela.
- OooW! – Todo mundo gritou.
Shirley estava decidida, apontava a pistola na direção da cabeça dela. Alice temeu que a louca fosse realmente atirar.
-Vai, moço, sai de perto que agora é comigo! – Berrou Shirley.
Ed olhou para Michael, e em seguida para Don. Todos estavam em silencio. Como que congelados. Ed sussurrou:
-Toma uma providência aí, cara.
Don virou de costas para Alice, caminhou lentamente até a entrada da cabana. Estendeu a mão na direção de Shirley.
-Dá.
-Não… Eu, eu vou matar essa vagabunda filha da puta. – Disse Shirley, tremendo com a arma na mão.
-Dá, anda!
-Não, Don. Eu vou…
-Me dá essa porra agora!
-Don, não faz isso comigo… – Shirley implorava. – …Deixa eu finalizar essa desgraç…
-Um…. Dois….
Antes que ele chegasse no “três” Shirley baixou a arma e entregou as duas na mão de Don.
Ele colocou as armas na cintura, uma de cada lado. Em seguida encheu a mão e deu um tapa cinematografico na cara de Shirley, que caiu no chão. Ela ficou ali, humilhada, com a cabeleira toda desgrenhada, chorando baixinho.
Don voltou até onde Alice estava, na companhia dos dois homens fortemente armados.
-Quem são vocês? – Alice perguntou aos dois, para ganhar tempo.
-Nòs somos de Oklaho…
-Shhh! Segura tua onda aí. Ela é perigosa! -Interrompeu Don.
-Não, moço… Esse cara é louco. Ele e essa vadia nojenta ali. – Alice tentou argumentar, mas Don a agarrou pelos cabelos e torceu forte, o que a fez inclinar para trás com a dor.
-Aaaai!
-Bom, filha da puta… Já que é assim, não me resta outra escolha. Se você não vai falar onde está o homem de branco, então eu vou ter que usar métodos pouco ortodoxos.
-Calma, cara. O que cê vai fazer? – Perguntou Ed.
Esperem aqui. Eu já volto. – Disse Don com um sorriso maníaco estampado no rosto.
Ele foi até a cabana. E em seguida, bateu a porta.
-Moço, vocês precisam me ajudar. Esses dois são malucos. – Alice falou.
-Dona… Atualmente a normalidade é artigo raro nesse mundo. – Riu Michael.
-O que você fez para deixar ele tão puto?
-Ele tentou me estuprar…
-Cê tá brincando!
-Ele e aquela doida lá. – Disse ela apontando Shirley, que estava encolhida num canto.
-Ela também?
-Ela sim senhor. Ela que deu a ideia! – Disse Alice com os olhos marejando de lágrimas.
Ed e Michael se entreolharam.
-Não fala mais nada… Vaca. – Disse Michael, apontando a escopeta na cada dela.
Ed olhou para o amigo.
-Que isso, Mike?
-Você ouviu o cara. Ela é perigosa. Tá querendo botar a gente contra eles. Você estava lá, você viu… Os dois estavam trancados naquele barracão. Sem comida nem água. Uma vitima de estupro não rouba a arma de um casal e nem prende eles daquele jeito, meu.
-Agora os dois apontavam suas armas para a cabeça de Alice.
-E o cara? Cadê?
-Eu já disse. Ele está… Morto.
E o cadáver?
-Eu… Eu enterrei. Lá perto do rio.
Nisso, a porta da cabana se abriu e de lá de dentro surgiu Don. Ele tinha um toco de madeira curto na mão. Alice reconheceu rapidamente. Era um pé da cadeira. Mas havia algo amarrado nele. Alice só conseguiu reconhecer quando Don se aproximou mais. Eram varias tiras feitas um pedaço de couro.
-Vou precisar de outro cinto. – Disse Don. (continua...)

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