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domingo, 1 de janeiro de 2017

Mitologia Nordica: A Aposta de Loki

A APOSTA DE LOKI



Sif era a encantadora esposa de Thor, embora este não fosse o seu primeiro marido; antes, ela já fora casada com um gigante anônimo, cujo nome se perdeu na noite dos tempos. Sif era dona de muitos encantos, mas, de todos eles, nenhum impressionava mais do que a sua dourada cabeleira. De fato, descendo do alto como uma ondulante cascata de ouro, os fios resplandecentes percorriam os vales, montanhas e planícies do seu corpo inteiro até alcançar-lhe os pés num desaguar majestoso.

Certa manhã, entretanto, a deusa acordou, sentindo uma ausência inquietante em sua cabeça. Suas próprias idéias pareciam ter se evaporado, pois não conseguia perceber o que a afligia. Então, após ter-se erguido, levou, instintivamente, as mãos à sua cabeleira para jogá-la para trás. Mas seus dedos encontraram apenas o vazio, deslizando por uma superfície inteiramente lisa, sensação inédita que ela não soube interpretar direito.

- Mas, o que é isto? - disse, horrorizada, ao tomar rapidamente um espelho.
- Oh, não!... Onde estão os meus lindos cabelos?! 
Um grito de terror atroou o palácio de Thor, que, até então, não havia percebido nada, uma vez que ainda dormia profundamente. Acordado, entretanto, pelo grito da esposa, abriu os olhos e se deparou com uma estranha dentro do seu próprio quarto.

- Quem é você, bruxa careca? - disse ele, como se ainda estivesse imerso em seus pesadelos. - Desapareça já da minha frente!...
Thor já ia dar um tremendo murro naquela diaba calva, quando percebeu que se tratava de sua pobre esposa.

- S-s-sif... é você? - perguntou o deus, sem crer no que seus olhos viam.
- Não, não sou eu...! -exclamou a pobre, com o rosto lavado em lágrimas. - Como posso ser Sif, sem meu maior atributo?! Como posso ser Sif, sem minha querida cabeleira? Oh, Thor querido, ajude-me, por favor!

O deus do trovão não precisou pensar muito para entender que o dedo de Loki estava metido naquilo. Loki era um ser insaciável em armar confusões para os deuses de Asgard e, sempre que podia, não perdia uma oportunidade de prejudicá-los.
- Vou procurar aquele pilantra! - disse o deus, tomando a sua carruagem.
Dali a instantes trouxe de arrasto o perverso Loki, que pelo aspecto maltratado parecia já ter recebido, por antecipação, uma boa dose do castigo.

- O maldito canalha já confessou! - disse Thor à chorosa Sif, que não tinha nem forças para odiar o seu algoz.
Depois de dar mais alguns safanões no desgraçado, Thor arrancou dele a promessa de que iria arranjar, fosse onde fosse, uma nova cabeleira para sua esposa.
- Uma de verdade, já sabe! - disse o deus, brandindo, ameaçadoramente, o seu cabeludo punho na cara de Loki. - Se me aparecer com uma peruca, vou arrancar todos os pêlos do seu corpo, entendeu bem? Todos!...

Quem poderia confeccionar uma cabeleira nova, tão bela e dourada quanto a da deusa e que crescesse naturalmente como aquela? Somente os anões, c claro, os artífices mais talentosos do universo poderiam ser capazes desta tarefa, pensou Loki, partindo imediatamente para Svartalfheim, o reino dos anões.
Depois de fazer uma rápida viagem, chegou finalmente à forja de Dvalin, um mestre artífice, e lhe encomendou a cabeleira, dizendo que o pedido era feito em nome de Thor e que uma chuva de recompensas desabaria sobre a sua cabeça caso conseguisse, ao menos, igualar a magnífica obra da natureza.

- Está bem, verei o que posso fazer - disse o anão, pondo logo mãos à obra.
Normalmente os anões precisam recorrer apenas à sua própria arte para confeccionar as suas maravilhas; mas há casos bem mais difíceis, diante dos quais têm de buscar auxílio também na magia. Por isto, Dvalin não hesitou em recorrer ao feitiço 
das runas, de tal forma que, dentro de pouco tempo, tinha em suas mãos, absolutamente perfeita, uma nova cabeleira. Os fios escorriam de seus dedos como raios sedosos de sol e o feito provocou tamanho espanto e admiração cm seus colegas anões que ele se empolgou e resolveu fazer mais algumas maravilhas, enquanto Loki não retornava.

De suas mãos mágicas e operosas surgiram ainda Skidbladnir - um navio mágico, que tinha o dom de navegar até o seu destino sob qualquer tempo e ainda o de ser portátil, podendo ser dobrado e colocado no bolso tão logo terminasse a viagem - e a lança Gungnir, que mais tarde viria a ser o principal atributo de Odin, o mais poderoso dos
deuses.

Quando Loki retornou para pegar a cabeleira de Sif, ficou espantado diante de tamanha perfeição. E, como se isto não bastasse, ainda levou de quebra o navio e a lança, para fazer uma média com Odin, que já andava farto de suas trapaças. O deus apoderou-se logo da lança, deixando o navio mágico para o deus Freyr, irmão de Freya, a
deusa do amor.

O sucesso foi tão grande que Loki, empolgado pelo triunfo, resolveu fazer com os anões a única coisa que sabia realmente fazer: passar-lhes a perna. Procurou, então, outros dois, chamados Brock e Sindri.

- Bom dia, meus amigos! - disse ele, chegando à forja deles.
Os dois mal e mal responderam, ocupados que estavam com seu trabalho.
Loki comentou acerca dos três trabalhos que seu colega Dvalin havia feito, tentando levar a inveja a seus corações.
- Nada de mais perfeito, tenho absoluta certeza, poderá sair das mãos de qualquer anão em qualquer tempo! - disse o intrigante, com um sorriso confiante.

Brock e Sindri tentaram manter-se impassíveis diante da provocação; afinal, ainda havia muito trabalho a ser feito para que fossem se meter com outras encomendas: bastava observar o metal acumulado no chão e as lanças e espadas, que ainda estavam quentes dos golpes da forja e do martelo. Mas Loki era incansável e jamais desistia de um pilhéria depois de havê-la começado.

- Eu seria capaz até de apostar a minha própria cabeça como anão algum jamais será capaz de superar os trabalhos de Dvalin, o mestre inigualável! - disse Loki, que desta vez cometera a imprudência de, no arroubo, exagerar na bazófia.
- Trato feito! - disse Brock, decidido a ver a cabeça de Loki rolando no pó. Sindri pensou o mesmo, admitindo que valia a pena um esforço extra para se ver livre para sempre daquela criatura irritante. - Vamos, Brock, jogue mais lenha nesta forja! - disse ele, expulsando o intruso da caverna.

Imediatamente, começaram a trabalhar no primeiro objeto, pois sabiam que teriam de fazer algo realmente impressionante. Sindri começou a murmurar alguns encantamentos rúnicos, enquanto seu irmão, Brock, suava na forja. 
O trabalho já ia adiantado quando uma mosca entrou por uma fresta e se pôs a sobrevoar o anão. Sem dar por isto, Brock continuou o seu trabalho até que a mosca
pousou sobre a sua mão e lhe deu uma dolorida picada.

- Ai! - disse o anão, dando um grande berro. Mas decidido a não permitir que aquele pequenino incidente atrapalhasse a feitura da sua obra, continuou a malhar, sem retirar por um único instante a sua mão do trabalho. Tanto esforço e dedicação foram, afinal, recompensados: algumas horas depois, a obra estava terminada.
- Sindri, veja que maravilha! - gritou o irmão, retirando da forja um maravilhoso javali de cerdas de ouro.

Era Gullinbursti, o grande javali voador, que viria a ser a montaria predileta do deus Freyr. Os dois anões congratulavam-se, satisfeitos, enquanto Loki, pousado sobre o teto, observava, angustiado, aquela verdadeira maravilha que era o javali.
- Vamos produzir outro prodígio, pois um só, certamente, será insuficiente para que vençamos a competição! - disse Sindri a Brock.

Ambos correram, outra vez, para a forja e recomeçaram o seu trabalho. Sindri voltou a entoar as suas runas mágicas, enquanto as barbas de Brock quase chamuscavam na forja, tal o ímpeto em produzir uma nova obra-prima. Visto de costas, podia-se mesmo observar que um ligeiro vapor subia dele, o que não passava de seu suor, que ao lhe escorrer do rosto evaporava, no mesmo instante, por força do calor das chamas. Loki, amedrontado com o que pudesse surgir, desta vez, mergulhou em novo ataque.

- Ai! - exclamou o anão Brock, sem, no entanto, levar a mão à bochecha, local que a mosca escolhera para enterrar o seu ferrão.
Novamente, sua dedicação foi recompensada: dali a instantes, Brock retirou da forja, sob o olhar maravilhado de Sindri, um esplendoroso anel.
- Eis Draupnir, o mais precioso de todos os anéis! - disse o anão, orgulhoso de sua obra. - Será tão perfeito que dele brotarão, a cada nove noites, outros oito anéis tão perfeitos quanto ele!

Este maravilhoso anel acabaria sendo de propriedade de Odin e era tão belo que Loki teve a certeza de que agora tudo estava perdido. Mesmo assim, teve que escutar com indizível terror a voz fanhosa do anão Sindri dizer outra vez:

- Acho que ainda há tempo de fazer mais uma maravilha antes que aquele fanfarrão idiota retorne; o que você acha, Brock?
O anão concordou imediatamente e ambos se puseram, mais uma vez, a serviço do seu talento e da magia das runas. Antes, porém, Brock esteve a pensar um pouco sobre o que fariam desta vez.
- Terá de ser algo espetacular! - disse ele, puxando com as duas mãos suas longas barbas, que se desprendiam aos punhados, chamuscadas que já estavam. - Temos de terminar este dia proveitoso com um fecho de ouro! 
- Fecho de ouro? - perguntou Sindri, com uma luz de euforia no olhar. - E, por que não, um martelo de ouro?

Não foi preciso mais nada para que o outro anão arrojasse para longe as suas vestes, ficando quase nu diante da forja, pois queria ter inteira liberdade em seus movimentos.
- Vamos a ele! - esbravejou Brock, enquanto Sindri recomeçava a taramelar as suas runas encantatórias.

A noite já caía sobre Svartalfheim. O anão, quase montado sobre o imenso fole, espertava as chamas com tanta gana, que, ao longe, dava a impressão que a gruta, onde ambos viviam, estava tomada por um terrível incêndio, ou que, lá dentro, estivesse a rugir uma tempestade com relâmpagos e trovões incessantes.
A mosca Loki, quase assada pelo calor infernal que reinava naquele lugar, decidiu, entretanto, tentar uma última investida.

- Desta vez, vou picar para valer! - anunciou o endiabrado deus, lançando-se do alto como uma águia de quatro patas. 
A mosca veio zunindo e empinando o seu ferrão, como se fosse uma lança, até cravá-la com toda a força sobre a pálpebra do anão.
- Aaaiiii! - fez o anão e, desta vez, não só deu um grito tremendo como também levou uma das mãos ao olho ferido, pois o sangue que escorria da ferida perturbava-lhe a visão. Mas, logo em seguida, retomou o seu ofício com o mesmo ardor.

- Aqui está, Sindri! - disse ele, retirando da forja um martelo de ouro, que refulgiu como um pequeno sol, iluminando a caverna inteira. O outro anão correu até ele e se pôs também a admirar a preciosidade. Apenas lhe pareceu, contudo, que Brock falhara ao confeccionar o cabo, que ficou um pouco curto demais. Mas, nada obstante, aplaudiu, entusiasticamente, este novo feito da arte e da magia conjugadas.

- Aqui, está o martelo Miollnir! - disse o anão Brock, regozijando-se. 
-Que outra arma melhor poderia caber a Thor para defender Asgard inteira do ataque dos gigantes? -perguntou, sabendo que aquele deus não pensaria duas vezes antes de se apropriar daquela magnífica arma e adorno.

De posse de seus objetos, Brock e Sindri partiram, na mesma hora, para levar ospresentes até a morada dos deuses. Ao chegar lá, encontraram Dvalin, o outro anão artífice, que também trouxera seus presentes. Uma comissão julgadora foi formada para analisar quais seriam os presentes mais valiosos, composta pelos deuses Odin, Thor e Freyr.
Depois de avaliar todas as obras e de as elogiar com muita ênfase, Odin ficou encarregado de proclamar o veredicto: 

- São todos magníficos presentes - disse o velho deus, assumindo a postura de árbitro supremo, que tanto adorava -, mas, como se trata de uma disputa, e disputas pedem um vencedor, elejo os irmãos Brock e Sindri como os melhores!

Os dois anões pularam de alegria, sendo abraçados pelo concorrente, que admitira elegantemente a derrota. Logo em seguida, Brock puxou da bainha de sua cintura uma espada - a mais afiada de quantas pôde produzir em sua forja -e a entregou a Thor.
- Cumpra-se agora a aposta! - disse ele, olhando de esguelha para Loki, que estava branco feito a neve.

Thor tomou a espada com gosto e já ia arrancar fora a cabeça do desafortunado deus, quando este, caindo de joelhos, resmungou um último argumento, que estivera compondo, enquanto os outros se divertiam com o julgamento:

- Perdão, deuses poderosos, mas isto não pode ser assim! - disse ele, pondo toda a convicção em sua voz. - É verdade que devo a minha cabeça aos cruéis anões; mas não o meu pescoço! Ninguém pareceu compreender direito.

- O que está dizendo, tratante miserável? - disse Thor, abaixando a espada.
- Sim, pensem comigo - implorou Loki, de joelhos -: Os anões têm todo o direito a cortar fora a minha cabeça, desde que isto não provoque danos ao meu pescoço, uma vez que ele não faz parte da aposta!

Uma gritaria ergueu-se na assistência - pois havia um grande público ao redor, disposto a ver rolar a cabeça do nefando deus - e estiveram todos a debater o argumento de Loki, até que Odin, árbitro supremo, viu-se obrigado a dar razão a ele.

- Está bem, você tem razão - disse ele ao réu, meio contra à vontade. - Mas como uma aposta é uma aposta - e vocês todos sabem o quanto nós, os nórdicos, apreciamos uma bela jogatina -, decido que os anões escolham uma outra punição no perdedor, sem que, no entanto, lhe tirem a vida.

Loki deu um grande suspiro de alívio e foi beijar, de maneira subalterna, a mão de Odin - claro, escondendo, ao mesmo tempo, um pérfido sorriso em seus lábios -, enquanto os anões confabulavam entre si para encontrar um castigo digno daquele patife.

- Já que ele nos engambelou pela boca, que sua punição recaia também sobre ela - disse Brock, sendo apoiado, imediatamente, pelo irmão.
- Queremos que este linguarudo tenha a sua boca costurada! - disse Brock, com um sorriso de escárnio.

Imediatamente o pobre Loki foi agarrado e Sindri costurou os lábios do perverso deus, que urrava de dor pelo nariz - uma verdadeira tortura! Tão logo concluiu-se a punição, Loki saiu correndo com as mãos postas à boca ensangüentada, arrancando um a um os fios de cobre que uniam os seus maltratados lábios. E, durante muito tempo, um 
cavanhaque de sangue enfeitou o seu pobre rosto, pois as feridas profundas custariam ainda muito a sarar.

De toda esta brincadeira, resultou, afinal, que os deuses ganharam alguns brinquedinhos novos para se divertir, enquanto Loki, com uma ferida nova e inestancável na alma, tornara-se ainda mais pérfido, decidido, cada vez mais, a planejar a ruína definitiva dos deuses - e, sem saber, a sua própria.

2 comentários:

  1. Adorei a história, esse é sem dúvida um dos melhores blogs que conheço.
    Abraços,
    M.S.

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