A RELIGIÃO A SERVIÇO DO PODER: FARAÓS E SACERDOTES
As práticas religiosas e mágicas também serviram à monarquia divina dos faraós, pois estabeleciam a legitimidade de ações através do desejo ou da permissão dos deuses. Ou seja, eram utilizadas como forma de controle social e "propaganda" de governo. Nessa mesma linha, encontramos os "deuses dinásticos" (divindades associadas a uma dinastia de monarcas reinantes) podendo atingir grande importância no reino como um todo.
Os deuses podiam "subir" ou "cair" em importância. Durante a 4° e 6° dinastias, período da construção das pirâmides como tumba, o deus Ra era poderosíssimo. Antes disso o deus Hórus era dominante, mas na maior parte da história do Egito foi o deus Amon (ou Amon-Ra), que assumiu esse papel e, em um curto espaço de tempo, durante o reinado do faraó Akhenaton, o deus Aton — o disco solar — passou a ter a mesma prerrogativa de deus dinástico. Durante o longo reinado divino de Amon, diversos monarcas tentaram elevar outros deuses de caráter solar ao mesmo nível de importância, o que faz pensar em um projeto político-religioso. Também o status dos clérigos dependia do faraó, que podia remanejá-los. Durante o reinado de Ramsés II (1279 - 1213 a.C.) um sacerdote de Ptah de Mênfis assumiu o cargo de primeiro profeta de Amon (sumo sacerdote) na cidade Tebas. Talvez Ramsés II não confiasse muito nos sacerdotes tebanos.
Podemos exemplificar a relação de proximidade entre divindade e poder. Nas campanhas do faraó Kamés contra os hicsos (reis pastores vindos da Palestina), o rei egípcio os repeliu conforme as ordens do deus Amon, que era considerado "famoso" por seus conselhos. Outro caso interessante é o da rainha e faraó Hatshepsut (1473 - 1458 a.C.), que imortalizou uma das formas utilizadas para estabelecer a sua legitimidade no trono. Em seu templo mortuário em Deir-el-Bahari, ela ordenou que fosse descrito o seu nascimento divino por desejo do deus Amon. Segundo a história, o deus toma a forma do faraó Tutmés I (seu pai) e faz amor com a rainha Ahmés (sua mãe), concebendo, assim, Hatshepsut de forma divina. Amon-Ra então diz que essa filha de seu corpo será a legítima governante do reino. A experiência de Hatshepsut nos permite dizer que o acesso de mulheres à posição de faraó era possível. Entretanto o cargo tinha caráter masculino, provavelmente em função das práticas mágicas e religiosas que envolviam tal posição.
O faraó Akhenaton (1353 - 1335 a.C.), por sua vez, promoveu mudanças fortes envolvendo política e religião, negando todos os deuses e estabelecendo Aton como único deus celestial. Alguns pesquisadores pretendem ver nisso um monoteísmo, mas como Akhenaton aparece, ao que tudo indica, divinizado em vida, outros pesquisadores acham que se trata apenas da experiência mais próxima do monoteísmo que o Egito já teve. O próprio Freud escreveu um livro
alegando que o monoteísmo hebreu tem suas origens no pensamento atoniano.
Fonte: As Religiões que o Mundo Esqueceu - Como Egípcios, Gregos, Celtas, Astecas e Outros Povos Cultuavam seus Deuses. Pedro Paulo Funari (Org.), 2012.
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