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terça-feira, 19 de maio de 2015

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O PODER DO MITO NA CURA


Vamos neste post olhar através da estrutura mítica das “curas mágicas”, chamadas cientificamente de efeito placebo. Mas antes, devemos desconstruir a idéia de que mitos são criações de povos atrasados ou formas rudimentares de produzir conhecimento. Mitos são produtos de uma das mais incríveis habilidades humanas, que é a de criar histórias.

No atual estado da ciência, nada permite afirmar a superioridade ou inferioridade de uma classe ou grupo sobre o outro. As propriedades psicológicas particulares de cada povo relacionam-se com circunstâncias geográficas, históricas e sociológicas, não com aptidões ligadas à constituição biológica de brancos ou negros, americanos ou asiáticos, hetero ou homossexuais. Ao contrário do que algumas doutrinas costumam afirmar, não existem povos primitivos ou atrasados na evolução.

Todos os povos recentes humanos estão, a priori, nos mesmos graus evolutivos. Uma tribo indígena não está atrasada em relação a um norte-americano moderno. A diferença é que um povo está direcionado a uma vivência mais natural enquanto outra em uma forma mais tecnológica. Não há como julgar uma sociedade com os valores de outra. Além de que, convenhamos, alguns mil anos não são nada em termos de filogênese. O que podemos dizer é que o ser humano atual é mais evoluído que os antigos hominídeos em matéria de adaptação da espécie.

Segundo o antropólogo Claude Lévi-Strauss, o progresso “procede por saltos, ou, tal como diriam os biólogos, por mutações. Estes saltos não consistem em ir sempre mais longe na mesma direção; são acompanhados por mudanças de orientação, um pouco à maneira dos cavalos do xadrez que têm sempre à sua disposição várias progressões mas nunca no mesmo sentido. A humanidade em progresso nunca se assemelha a uma pessoa que sobe uma escada, acrescentando para cada um dos seus movimentos um novo degrau a todos aqueles já anteriormente conquistados, evoca antes o jogador cuja sorte é repartida por vários dados e que, de cada vez que os lança, os vê espalharem-se no tabuleiro, formando outras tantas somas diferentes. O que ganhamos num, arriscamo-nos a perdê-lo noutro e é só de tempos a tempos que a história é cumulativa, isto é, que as somas se adicionam para formar uma combinação favorável.” (Raça e História, pág. 9).

Todos os ritos, mitos, ou religiões, por mais bárbaros que sejam ao nosso ponto de vista, respondem a alguma necessidade humana. Todo pensamento é lógico e cada técnica, de modo particular, produz uma linguagem, baseada em algumas regras universais que voltarei a tratar em um post futuro, dando sentido a algum tipo de experiência.

O sentimento religioso
Os crentes não procuram na religião o pensamento racional ou o conhecimento que a ciência pode oferecer, mas sim representações que o ajudem a viver e que dêem significação a sua vida. Os mitos e as religiões concedem ao homem uma força a mais para poderem enfrentar as dificuldades e os desafios da existência.

O que a ciência deve questionar na religião não é o seu direito de existir, mas sim o direito de dogmatizar os seus conceitos ou de atentar contra os direitos humanos. Não há como dizer que a ciência também está isenta de crendices. Se hoje aceitamos qualquer coisa que traga o título de “cientificamente comprovado” é porque temos fé na ciência. Fé em que os métodos científicos funcionam, de que cientistas são pessoas instruídas, aptas para suas funções e que não existe nenhum interesse econômico por trás das descobertas científicas.

Eficácia dos símbolos

“Magia é a arte manipular signos pra mudar a consciência das pessoas” Alan Moore

Um xamã, um pastor ou um espírita está, dentro de seu sistema, dando uma medicação psicológica. Essa medicação se desenvolve em cura através de uma história mítica em que o corpo ou os órgãos do doente é o espaço onde essa encenação ocorrerá. Não há distinção do que é realidade ou místico, sendo ambas tidas como verdadeiras tanto pelo curador quanto pelo curado.

Que as curas mágicas não tem explicação dentro de uma realidade objetiva não há problema, pois o doente acredita nela e é membro de uma sociedade que também acredita. Espíritos protetores, demônios e outras entidades sobrenaturais fazem parte de uma concepção coerente de universo para algumas pessoas. O que elas não aceitam são as doenças incompreensíveis e as dores arbitrárias.

Na religião, crença e realidade se unem numa relação causa-efeito. Não é somente explicada a susposta causa de seu sofrimento, mas ele também sara. Isto não se produz em nossa sociedade quando tentamos explicar com bactérias, vírus ou micróbios. Os mais céticos podem até afirmar que micróbios existem e entidades não, mas acontece que a noção da existência de micróbios pode parecer estranha ao paciente enquanto a ideia de entidades pode apelar diretamente para o que ele ouviu existir desde a sua infância.

É uma questão de simbologia: o xamã, pastor ou espírita que assume o papel de mestre em cura fornece uma linguagem acessível a população de forma geral, provocando a reorganização do sistema fisiológico do paciente. Isso constitui um mito que o doente deve viver: o mito individual de superação. O doente não poderia se ver curado se não houvesse realmente uma eficácia neste método. Assim como as curas espirituais não se manteriam em prática até hoje se não possuissem algum efeito misterioso.

Bibliografia indicada:
As formas elementares da vida religiosa, o sistema totêmico na Austrália. Émile Durkheim
Raça e História. Claude Lévi-Strauss

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