sábado, 18 de janeiro de 2014

Contos: Anabell

Por: Diego Pimentel

Ela morava com as duas tias solteiras, sempre sonhou em ser mãe. O ideal da família perfeita sempre estivera presente em suas aspirações: Um marido amável, preocupado com a família e esforçado no trabalho. Um casal de filhos que iria amar como se eles fossem a única coisa que a fazia existir. Esse sonho sempre vinha nas noites em que se sentia melhor e aquilo foi, aos poucos sendo associado ao bem estar dela.

O tempo passou e Anabell apenas alimentou mais e mais o sonho da família perfeita, mas o mundo não é perfeito e muito menos justo, aos 21 anos ela ainda guardava a sua pureza para o homem de sua vida, aquele príncipe encantado que viria a lhe amar como nenhuma outra mulher já foi amada.
Foi nessa idade que ela conheceu Artur, um fotografo estrangeiro que estava auxiliando na propaganda do hospital em que Anabell era enfermeira.
Eles se apaixonaram e um romance começou ali. Ele jurava amor eterno e dizia que ela era a mulher da vida dele e que nunca havia amado outra pessoa como ela e em sua inocência e por estar perdidamente apaixonada, ela acreditava em cada palavra que ele dizia. Depois de três meses de encontros, beijos e o que parecia ser um namoro, ela se entrega a ele perante a promessa de que um dia eles iriam se casar.
O que nenhum dos dois fazia ideia é que aquele relacionamento tinha um terceiro membro, que todas as noites observava Anabell ansiando pelo momento em que pudesse influenciar aquela inocente criatura. Um membro que não tinha intenção de ser reconhecido, pelo menos não agora.
A noite foi maravilhosa, até certo ponto, perder a virgindade não era algo muito agradável, mas essa ainda não tinha sido a pior parte, nem quando ela reparou que depois de terminar tudo, eles estavam sem camisinha. O pior veio durante o sono, um sonho com um homem que nunca havia conhecido.
Ele lhe falava manso e agradável aos ouvidos, tinha uma pele branca e todos os atributos que sempre sonhou em um homem perfeito. Ele veio com uma conversa atraente, convidativa e envolvente da qual não conseguia se esquivar, por mais que tentasse. Após um longo tempo de conversa e flerte, Anabell sede aos encantos do homem, que a possui de todas as formas possíveis, faz coisas com que ela nunca havia imaginado fazer.
No outro dia pela manha ela acorda estranha, sentindo varias dores e com marcas pelo corpo e ao se virar para sair da cama repara que está vazia e no criado mudo jazia uma folha de papel com algumas desculpas esfarrapadas e o nome de Artur no final.
Aquela fora a pior decepção que Anabell já havia passado até então. Seu coração parecia vacilar no peito como se quisesse parar e acabar com aquela existência.

Ela passou o mês inteiro se sentindo mal, por varias vezes sentia náuseas e vomitava, até que em uma tarde, durante um plantão exaustivo, ela desmaiou e quando acordou, num dos quartos do hospital, o seu mais antigo colega de trabalho, Daniel, que estava sentado ao lado da sua cama com a sua tia mais velha, esboçava um sorriso tímido e então ela ficou sabendo que Artur lhe deixara mais do que apenas o coração partido.

No começo Anabell não queria aquela criança, pois aquela barriga lhe trazia a mente não a noite que perdera sua inocência, mas a manhã seguinte… O coração com um rasgo… A dor que aquela carta trouxera…


“O tempo cura tudo!” Dizia sempre a sua tia mais velha, que passara por dois casamentos mal sucedidos. Isso pode até se aplicar para a maior parte das coisas, mas não foi ele que mudou a opinião de Anabell. Ter um filho era algo que ela almejava desde criança e se ter a família perfeita não era possível, ela iria ter ao menos metade do seu sonho.
Ela seria mãe e pai daquela criatura indefesa que estava se formando em seu ventre. Ela se dedicaria de corpo e alma para aquela criança, SUA criança! Ninguém iria interferir naqueles planos! E com essa meta em sua vida, Anabell doou-se completamente a criação do seu filho.
Depois de uma gravidez complicada e perigosa, chega o dia do parto. As dores que ela sente são tão intensas que durante o trajeto ao hospital, ela desmaia no banco do taxi. O parto lhe proporcionou tanta agonia, que ela acordou durante o processo cirúrgico apenas para dar um grito e desmaiar novamente.
Quando começa a recobrar os sentidos, ela vê a silhueta de um homem com algo nos braços. Um homem que ela já conhecia. A memória naquele instante lhe falhava, mas de certo já vira aquele homem… Mas a sensação era muito forte para um simples conhecido.
Agora, com os olhos já adaptados ao ambiente ela pôde perceber que era noite e que o homem não vestia a tradicional bata branca, o que lhe deixou preocupada a principio, mas aquela voz…


- Boa noite, minha queria Ana… Ah, desculpe, bell… Foi assim que você pediu para que eu lhe chamasse, não foi?! – Um calafrio percorreu todo o corpo de Anabell ao ouvir aquela voz. – o que foi? Você teve um parto de risco, tanto você quando o garoto poderiam ter morrido. Eu não poderia ficar em casa de pernas pra cima, você não acha? Você ainda não se recuperou por completo, parece pálida, será que consegue falar?


Mesmo com a cabeça pensando em um milhão de perguntas, ela conseguiu formular uma racionalmente:
- Quem é você?
- Ora, ora, minha cara… Quem você acha que sou? – e um sorriso sarcástico escapava dos lábios dele enquanto falava, parecia se deliciar com medo que emanava da mulher deitada a sua frente.


- Sou o seu amante, quem mais eu seria? Claro que eu tinha que ver a minha concubina e meu filho… Nosso, desculpa… – outro sorriso lhe escapou, mas esse era muito mais psicótico.


- Eu me entreguei a apenas um homem na minha vida! – juntando o pouco de coragem que lhe restava, Anabell decidiu acabar logo com aquilo. Aquele era SEU filho e SEU apenas. – por tanto entregue MEU filho e saia daqui ou eu cham…


- Chamarei a segurança... Se eu ganhasse uma alma pra cada vez que eu escutei isso, quem reinaria seria eu! É claro que nosso filho vai ficar com você, até porque o conselho tutelar não classificaria minha casa como um ambiente propício para a educação de uma criança.


E sobre se entregar apenas um “homem”, pode-se dizer que isso é verdade. Mas você gostou muito daquela noite… Tenho que admitir você me impressionou. Aquele “pode colocar onde você quiser” realmente foi surpreendente.
A vergonha agora se estampava em sua face que corava a cada palavra que era dita pelo homem que insistia em falar aquelas coisas imundas que ela havia sonhado. O quarto parecia muito mais escuro do que quando abrira os olhos, a presença dele agora lhe prendia toda a atenção, como se estivesse sendo hipnotizada.
- pare com isso, o que você quer de mim?
O que eu tenho que fazer para você me deixar em paz? – inquiriu Anabell sem conseguir conter mais as lágrimas que insistiam em sair.


- Bem, eu queria conversar um pouco mais sobre aquela noite, sabe… Mas já que você está querendo ir direto ao assunto… Eu quero que você saiba que a eu irei providenciar condições ideais para que ele se torne digno de se intitular MEU FILHO, não como os outros, Hittler até que chegou perto, mas não vai se comparar ao nosso filho!


O terror agora era nítido nos olhos de Anabell que não conseguia fazer os olhos pararem de verter lágrimas. Ela sentia todo o seu coração se comprimir, ela estava perdendo o seu filho para aquele demônio, que falava com tanta propriedade sobre aquela criança e em seu impulso maternal ela grita:


- DEIXE ELE EM PAZ! PODE ME LEVAR SE QUISER, EU LHE DOU O QUE VOCÊ QUISER, MAS DEIXE O MEU FILHO EM PAZ!
Um sorriso terrível se formou no rosto daquele homem que, sem esperar mais, entregou a criança a sua mãe e disse com uma voz ruidosa e rouca:


- Que assim seja! Mas não se esqueça de que eu voltarei para cobrar a sua dívida!
E então Anabell adormece com a criança entre seus braços e a cama do hospital. Sem muita demora, uma enfermeira chega no apartamento em que Anabell se encontra e a acorda e pergunta o motivo dos gritos.


Sem uma explicação plausível para o acontecido Anabell finge ter tido um pesadelo e volta a dormir e tem um sono sem sonhos.
O tempo passa e Anabell começa a ver que a vida é muito mais difícil do que ela imaginava, difícil e injusta. Não encontra muito tempo para passar com seu amado filho, tendo que deixá-lo com babás durante a maior parte da semana. Mas os momentos em que estava com ele eram divinos, a alegria de poder estar ao lado e acariciar o cabelo sedoso do seu amado Felipe era sem comparação a melhor sensação que já havia provado na vida.


O sentimento materno estava se tornando possessão, a ponto de Anabell pedir para a direção do hospital para deixar o garoto na ala pediátrica, com as crianças que sofriam com câncer. O hospital se tornara um lugar mais presente do que a sua casa e o pequeno Felipe já se acostumara com o ar e todos os diferentes sons, não tendo problemas para dormir enquanto sua mãe fazia plantões e mais plantões para juntar uma poupança para pagar a futura faculdade do filho.
E foi aos três anos de vida que o destino se mostrou cruel. Em uma tarde, Felipe brincava com alguns brinquedos na ala pediátrica com sua mãe, durante o horário de almoço dela e, de repente, ele cai e bate a cabeça em uma das cadeiras e desmaia com o nariz e a boca sangrando. Foi um milagre ele ter sobrevivido ao traumatismo, mas o coma foi inevitável.
Sentindo-se culpada, Anabell cai em uma depressão imensa e começar a se descuidar durante seus plantões no hospital, esses descuidos culminam com a sua demissão e então, sem mais nada que ficasse ente ela e o filho e com o dinheiro que havia juntado, ela fica com o filho todos os dias durante um ano inteiro. A depressão só aumente, ela fica magra pois começa a fumar sem escrúpulos e ao final do ano, Daniel, o mesmo que lhe deu a noticia de que estava grávida, lhe traz a noticia de que ela não tem mais condições de manter o filho na UTI.

E que sendo assim eles teriam que tentar um tratamento menos convencional e desligar os aparelhos. Ela então sai correndo para fumar um cigarro, é quando, na porta do hospital o homem estranho lhe aparece novamente.

- boa noite bell, que lindo luar, não acha?
O terror, medo e angústia se misturam e saem em forma de gotas pelos seus olhos.
- Bem, como você não gosta de muita conversa, eu vou direto ao ponto. Vim para cobrar a sua dívida. Mas como você me deu um filho, eu vou mostrar que posso ser bondoso. Apenas deite aqui em meu ombro e deixe essa existência patética cheia de carne e sangue e torne-se algo superior!


Em um instante Anabell via seu corpo cair ruidosamente no chão e alguns dos paramédicos que ali fumavam, como que por instinto, correram para tentar socorrer aquele pedaço de carne sem vida.
- Como eu falei, eu posso ser bondoso e lhe dar uma segunda chance. Você pode ser a mãe de todas as crianças deste hospital, ao livrar-se dessa limitação que é o corpo humano, você pode até mesmo ensinar lições às mães que não entendem o verdadeiro significado disso.


E foi então que na mesma noite em que Felipe voltou de seu coma, ficou órfão. Ou era isso o que os documentos lhe contavam, quando anos depois de ser adotado por uma família do outro lado do país, ele quis saber a sua origem, mas não constava nada sobre a identidade do seu pai.

Até hoje se escuta passos e um choro de desespero nos corredores da ala pediátrica e as taxas de suicidio pós parto aumentaram terrivelmente naquele lugar.

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