sábado, 28 de abril de 2018

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A FAMÍLIA LINCOLN




Fonte: Mundo Tentacular

Existem muitas estórias fantásticas que circulam por aí.

Algumas ganharam o status de "lendas urbanas" - estórias contadas por amigos de amigos, descrevendo incidentes bizarros como o carona na auto-estrada, a quadrilha que remove os rins para vender no mercado negro ou os crocodilos que habitam os esgotos. Outros são acontecimentos baseados em estórias fictícias cuja fonte sequer pode ser traçada e que ganham manchetes em jornais e programas sensacionalistas como se fossem verdadeiras.

Existem também aqueles rumores que circulam em cidades do interior onde as pessoas conhecem bem a vida e os hábitos de seus vizinhos. Estas estórias, limitadas a uma região, um povoado ou a uma comunidade fechada, raramente atingem a popularidade das lendas urbanas, mas nem por isso são menos significativas.


Um desses curiosos rumores é a estranha "Lenda da Família Lincoln".

Trata-se de uma estória com um toque de sobrenatural, à respeito de uma família incomum composta por indivíduos excêntricos e de aparência peculiar, os Lincoln (nenhuma relação com o presidente de mesmo nome) que teriam aterrorizado o meio-oeste dos Estados Unidos pelos idos de 1890-1900.

A estória começou a se espalhar além das fronteiras estaduais em meados dos anos 60, supostamente relatada por pessoas que ouviram-na de seus avós. Não é possível precisar com certeza onde a lenda surgiu ou onde os acontecimentos narrados ocorreram (se é que realmente ocorreram). O que se sabe é puramente baseado em boatos que parecem crescer e diminuir como acontece normalmente com as lendas urbanas.

A Família Lincoln era um clã fechado, gente que possuía segundo os relatos uma aparência perturbadora. Eles teriam partido do Leste, possivelmente de Massachusetts, com o objetivo de se fixar em uma cidadezinha no Meio-Oeste. O pai, a mãe, e três filhos, uma menina e dois rapazes, eram descritos como "estranhos". Eles pareciam atarracados, com olhos saltados e com feições feias que lembravam batráquios. A pele era pálida e de complexão doentia, o pescoço grosso como se sofressem de bócio e a testa ampla. Em algumas versões dizem que seus cabelos eram ruivos de uma coloração semelhante a ferrugem e crespos. Dizem ainda que exalavam um fedor desagradável semelhante a "sangue seco". A personalidade deles espelhava a aparência desagradável. Eles se mantinham distantes, não frequentavam a Igreja e não se preocupavam com as questões centrais da comunidade em que escolheram viver. Viviam em isolamento em uma pequena fazenda na borda de uma floresta, plantavam o que precisavam e raramente visitavam a cidade, salvo para comprar alguma coisa essencial. A propriedade em que viviam era uma fazenda pequena e descuidada, com vegetação crescendo selvagem. Ao longe o casebre parecia abandonado.

Dizem que os rapazes tinham o hábito de vagar à noite pela cidade, espionando seus vizinhos com genuína curiosidade. Eles não conversavam com os moradores locais e quando alguém os encarava, reagiam xingando e ameaçando. Dizem que falavam uma língua própria gutural, rude e desconhecida. Em mais de uma ocasião haviam sido surpreendidos entrando em porões alheios com o intuito de roubar.

Em 1896 ou 1900, um dos rapazes da Família Lincoln, que devia ter algo entre 17 e 19 anos, foi acusado de estuprar e assassinar a filha de um proeminente morador do povoado. O rapaz foi capturado na beira de uma trilha e arrastado até uma árvore onde o lincharam. No funeral do jovem, o patriarca da família declarou que toda a cidade ia se arrepender do que havia acontecido, e atirou um verme ou lesma no pai da garota, gritando: "Aqui está o que lhe espera"!

A lenda afirma que os Lincoln partiram em seguida, suposamente de volta para o leste. Alguns vizinhos viram a carroça que pertencia a eles se afastando. A comunidade respirou aliviada por algum tempo.

Semanas mais tarde o pai e o tio da garota foram encontrados mortos na beira de uma estrada. As circunstâncias das mortes foram consideradas incomuns, os corpos, segundo relatos haviam sido horrivelmente mutilados, membros arrancados e órgãos extirpados. Uma gosma de odor pútrido, "semelhante a pus", cobria os restos. A cena era tão aterrorizante que as duas pessoas que descobriram o lugar do massacre, enlouqueceram por completo.

Um grupo se formou e foi até a propriedade dos Lincoln, lá encontraram o lugar totalmente deserto. Mas algo horrível parecia ter acontecido ali. As paredes estavam cobertas de estranhos desenhos e os animais da fazenda haviam sido mortos de forma bestial. O sangue deles foi usado para fazer os desenhos que deixaram o grupo apreensivo, pois mostravam cenas de morte e mutilação. Aterrorizados os homens resolveram atear fogo ao casebre que ardeu rapidamente.



No mesmo dia descobriram que o cemitério da cidade havia sido profanado. O corpo do rapaz Lincoln fôra exumado e desapareceu da sepultura. O caixão estava aberto e pegadas se espalhavam por toda área. Um sacerdote foi chamado para benzer o lugar, mas o religioso sofreu um acidente à caminho da cidadezinha.

Nos anos que se seguiram, o povoado sofreu uma sucessão de enchentes, secas e tornados. A maldição rogada pelo Patriarca dos Lincoln havia se concretizado e os moradores o abandonaram para tentar a sorte em outras paragens. Ao menos é isso que conta a lenda.

O Professor de Filosofia Raymond Frey (da State University of Ohio) é uma das pessoas que se interessou pela lenda. Ele tomou conhecimento à respeito dela em uma reunião de família ocorrida em Kermit, Virgínia Ocidental. Quem relatou a história foi um médico idoso com uma memória perfeita, apesar de ser um octagenário. Ele afirmava ter conhecido uma testemunha dos eventos originais. Muitos anos antes, o velho médico havia sido chamado para tratar de um paciente que estava delirando. Em seus devaneios, o homem gritava "LINCOLN! LINCOLN!" e gargalhava enlouquecido. No dia seguinte, o paciente apresentou alguma melhora e estava lúcido o bastante para responder algumas perguntas. O médico questionou sobre o significado daquele nome "LINCOLN!" que ele havia gritado.

O paciente então contou a respeito da Lenda dos Lincoln, dizendo que ele era uma das pessoas que havia visitado a fazenda abandonada do clã. O paciente morreu alguns dias depois, mas o médico disse que o relato do paciente foi corroborado por um parente próximo a ele. Frey acredita que a lenda é nativa da Virgínia Ocidental, mas pesquisando em arquivos e bibliotecas não encontrou nenhuma menção aos Lincoln ou sua maldição macabra.

A dupla de historiadores Peter Park e Chris Perridas também demonstrou grande interesse em lançar uma luz sobre a lenda e determinar sua veracidade ou não. Por anos eles buscaram registros históricos sobre os Lincoln, mas não encontraram nada significativo. Procuraram também em arquivos públicos, bibliotecas, gazetas regionais e jornais, mas não tiveram êxito.

Em busca de pistas, Perridas enviou uma carta para a Revista Fate, relatando o que sabia sobre a Lenda dos Lincoln. Ele pediu que qualquer leitor da publicação, dedicada a assuntos sobrenaturais, que soubesse algum detalhe sobre a estória compartilhasse. Algumas semanas depois de publicar o artigo, recebeu uma carta enviada por Greta Gilmore residente de South Bend, Indiana.

Na carta, Greta afirmava ter um meio-irmão por parte de pai chamado Carl, com quem mantinha pouco contato, e que era 15 anos mais velho que ela. Carl morava em uma casa antiga caindo aos pedaços recebida como herança. Certa vez ele contou à irmã ter descoberto no porão dessa casa uma caixa contendo papéis amarelados que revelavam a história da família. Os documentos manuscritos, cartas e diários revelavam que o sobrenome original da família era Lincoln, e que eles haviam mudado para Gilmore em meados de 1900.

Greta se recorda de Carl ter contado a ela alguns trechos do que havia descoberto nos documentos e quando ela leu o artigo na revista, se recordou de algumas partes que pareciam se encaixar perfeitamente. O fato da família viver numa fazenda isolada, a descrição dos filhos e o linchamento de um dos rapazes acusado de estupro eram descritos em detalhes nos documentos familiares.

Perridas e Park tentaram entrar em contato com Greta Gilmore, enviando para ela dezenas de perguntas, mas ela não lhes respondeu. Meses mais tarde, Perridas recebeu uma nova carta em que Greta informava que seu irmão Carl havia morrido e que as coisas dele - inclusive os documentos haviam se perdido. Ela pedia para não ser mais importunada sobre o assunto. A dupla ainda tentou contatar a mulher, mas recebeu suas cartas de volta com um carimbo avisando que a pessoa a quem endereçavam havia se mudado. A pista esfriou novamente.

Alguns anos mais tarde, Perridas recebeu uma informação de que dois autores que pesquisavam a respeito de lendas urbanas haviam dedicado seu tempo à Família Lincoln. Margaret Ronan e John Macklin teriam escrito respectivamente “Evil This Way Comes” e “Ultimate Dimension”, livros que tratavam dessa e de outras lendas do meio-oeste Americano. Embora os autores existissem, nenhuma biblioteca possuía esses títulos em seu acervo.

Em 1997, Chris entrou em contato com um dos autores, Margareth Ronan que explicou jamais ter escrito um livro chamado “Evil This Way Comes” e que tampouco tinha informações sobre a Lenda dos Lincoln.

Dispostos a tirar a estória à limpo, Perridas e Park entraram em contato com John Palmer, bibliotecário da Sociedade Histórica de South Bend em Indiana. Palmer respondeu sua carta em meados de fevereiro de 1998 afirmando jamais ter ouvido falar da Lenda dos Lincoln e que nenhum jornal da época mencionava o caso. Ele enviou uma série de recortes de jornal à respeito de famílias com o sobrenome Gilmor e Lincoln, mas em momento algum surgia alguma menção a uma família ter mudado de nome em face de um escândalo.

Na primavera de 1999, a dupla intensificou suas pesquisas, escrevendo para as maiores bibliotecas, sociedades históricas e registros públicos de Ohio, Indiana, Illinois, Wisconsin, Michigan, Minnesota, Iowa, Kansas, Missouri, Nebraska, Oklahoma, e Colorado. Consultaram sites da internet devotados a Lendas Urbanas. Compartilharam informações com outros pesquisadores e vasculharam livros que tratavam de folclore regional e crimes.

Como não podia deixar de ser, receberam várias respostas, mas nenhuma delas capaz de lançar uma luz sobre o caso. Muitas pessoas afirmavam já ter ouvido falar da lenda, que havia sido contada por um conhecido ou por um parente, mas em nenhum caso as pessoas foram capazes de precisar a fonte original da estória. Os registros e jornais informaram que não haviam localizado nenhuma informação que se enquadrasse nos acontecimentos conforme foram descritos.

Uma das pessoas que respondeu a carta foi Robert Lee, colunista do Daily Okhlahoma e um entusiasta desse tipo de lenda. Ele sugeriu que qualquer incidente real semelhante ao da Família Lincoln teria de alguma maneira reverberado através do folclore por décadas. Não é o tipo de coisa que se esquece facilmente, sobretudo em uma época em que as pessoas compartilhavam suas estórias e vivência entre si. Se alguma família em algum momento tivesse testemunhado tais acontecimentos teria mantido essa estória dentro da família para ser repetida quantas vezes fosse necessário, fazendo com que o caso sobrevivesse por gerações. Lee acredita que a estória não passa de uma “lenda urbana” cuja autenticidade jamais poderia ser comprovada.

Outro correspondente mencionou uma família Lincoln que teria vivido na cidade de Toledo, Ohio pelos meados de 1880 e que era formada por imigrantes vindos da Alemanha. Essa família aparentemente tivera casos reportados de crianças molestadas e incesto, mas não houve como encontrar registros à respeito dessas alegações.

Jerry Clark do National Archives e Bruce Monblatt do Escritório Norte-americano de Educação sugeriram similaridades entre a estória dos Lincoln e outros clãs desajustados como os Jukeses e Kallikaks largamente estudados por psicólogos e sociólogos no início do século XX. O estudo servia de desculpa para ilustrar os perigos da mistura de sangue entre membros da mesma família e de diferentes raças.

Eric Mundell da Biblioteca de Indiana, também especula que a estória da Família Lincoln, se for realmente verdadeira pode ser um exemplo clássico do que os sociólogos chamam de “complexo de duende”. Quando uma família diferente, com cultura ou costumes diversos se instala em um ambiente e passa a ser execrada por parte dos seus vizinhos que demonizam seus costumes atribuindo a eles uma faceta perversa.

Mundell citou outro caso conhecido, o da Família “Jackson White” que no início do século XVIII se estabeleceu no norte de Nova Jersey. Os Jackson constituíam uma família miscigenada entre brancos irlandeses, escravos negros fugitivos e nativos americanos da tribo Croatan. Eles apresentavam um tipo raro de albinismo. Em face de sua aparência os Jackson-White eram segregados e evitados pelos demais habitantes da região que chegavam a criar estórias absurdas a respeito deles envolvendo pactos demoníacos e maldições.

Na ausência de qualquer prova contundente à respeito da origem ou mesmo da existência da família, tudo leva a crer que a estória dos Lincoln não passa de uma bem detalhada Lenda Urbana. Uma forma rudimentar de neurose coletiva que se espalha no tecido da sociedade entranhando nele de tal maneira que em certo momento passa a ser compreendida como uma realidade, ainda que de difícil aceitação.

Entretanto, a Lenda dos Lincoln jamais atingiu a fama de outras lendas, tais como a do carona fantasma, do maníaco com o gancho de carne ou da mulher de branco na beira da estrada. Não obstante, ela continua a ser contada, os elementos sinistros da narrativa continuam a impressionar e atrair pessoas dispostas a manter a estória viva. Quem sabe um dia ela se torne tão popular que desafie a noção da realidade e se torne mais do que uma lenda.

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