terça-feira, 8 de julho de 2014

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OS FILHOS DO TROVÃO (SAGA DOS TÁRIAS)

A lenda da origem dos tárias, ou filhos do Trovão (também ditos filhos do Sangue do Céu) está longe de ser a mais famosa das nossas lendas indígenas. Contudo, é, seguramente, uma das mais interessantes.
Os tárias – ou tarianas – eram uma tribo do rio Uaupés, situado no Amazonas. Segundo os estudiosos, a palavra “tária” deriva de “trovão”, elemento genésico primordial dessa tribo.
Vamos, pois, à originalíssima lenda que conta a origem dos tárias. Diz, então, que num tempo muito antigo o Trovão deu um estrondo tão forte que o Céu rachou e começou a gotejar sangue. O sangue caiu em cima dele próprio, Trovão – aqui entendido como um ente personalizado –, e secou sobre o seu corpo. Algum tempo se passou e o Trovão trovejou outra vez, e o sangue que estava sobre ele virou carne. Mais adiante, um novo trovejar fez com que a carne se desprendesse do seu corpo e fosse cair sobre a Terra. Ao tocar o solo, a carne se despedaçou em mil pedaços, e estes pedaços se transformaramem gente – homens e mulheres.
Assustadiços por natureza, os filhos do Trovão correram logo a se meter no interior da primeira gruta, assim que anoiteceu (eles eram ignorantes das coisas da Terra, então, ao verem o sol desaparecer, imaginaram que ele nuncamais retornaria). Quando começou a amanhecer, porém, tiveram uma grata surpresa: o céu voltava, pouco a pouco, a tomar uma coloração vermelha, sob o efeito da luz do sol.
Eles observaram o sol subir ao céu e, quando ele chegou ao zênite, sentiram fome. No alto de uma árvore, viram, então, um pássaro alimentando-se de um fruto.
– Façamos o mesmo! – disse um dos filhos do Trovão.
Para uma primeira frase, não estava nada mal. Demonstrava prudência aliada a uma boa observação.
Os tárias – já podemos chamá-los assim – subiram na mesma árvore e foram comer dos mesmos frutos com os quais a ave se alimentava. Empanturraram-se até a noite voltar, quando todos, assaltados novamente pelo medo, foram se meter no interior da gruta. No dia seguinte, bem cedo, treparam outra vez na árvore para saciar a fome. Debaixo dela, surgiram dois cervos, macho e fêmea, que também começaram a se alimentar dos frutos que caíam. Dali a pouco, um dos cervos montou sobre o outro, e os dois esqueceram-se de tudo o mais.
– O que estão fazendo? – disse um dos tárias, que ainda ignorava as coisas deste mundo.
Eles observaram bem e retornaram para o interior da gruta. Ninguém conseguia esquecer o que se passara entre os cervos, e estavam todos extraordinariamente inquietos. Durante a noite, a Mãe do Sono – uma das tantas Cys, as mães divinas indígenas de tudo quanto há na mata – visitou-os em sua gruta para contar-lhes quem eles eram. Depois, transformou-os em cervos, e eles foram correndo para baixo da árvore repetir alegremente o que o casal de cervos de verdade havia feito.
Quando o dia amanheceu, os pares ainda estavam abraçados, um homem para cada mulher.
E foi assim que os tárias deram início à sua gloriosa descendência.

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